Ela me perguntou por que eu escrevia tanta putaria. Eu disse que eu não escrevia putaria, escrevia sobre o que as pessoas faziam, e isto era normal. Ela disse que eu não tinha necessidade de descrever com tamanha profusão de detalhes todos os elementos contidos em uma relação sexual, senão iriam pensar que eu só escrevia coisas assim porque, na realidade, não tinha qualidade literária suficiente para escrever alguma coisa que se assemelhasse a um Julio Cortázar, por exemplo. Ela disse assim, Julio Cortázar, com a boca bem cheia daquele bolo de cenoura que ela comia quando resolvia sentar no sofá de napa e me inquirir, uma vez por dia, ao menos, por que, afinal de contas, eu escrevia tanta putaria. Julio Cortázar é Deus!, eu disse para ela, e no dia que eu escrever uma milionésima parte do que ele escreve eu vou dar um tiro na cabeça ou me atirar daqui de cima porque eu estarei louco ou consumido pela insanidade e pelo dinheiro que terei ganho como o maior escritor de putaria de revistas baratas do mundo. Ela falou que não tinha que ser assim, não, e disse Tu podia escrever com temáticas semelhantes, aquela coisa de viagem onírica, contos de absurdo e coisas do gênero. Não existe coisas do gênero, eu falei para ela, enquanto arremessava mais um papel amassado para a montanha de bolotas de papel no cesto junto do sofá. O que tem é isto aqui o que você está vendo: um punhado de tentativas de escrever alguma coisa que preste enquanto você não cala esta boca e não me deixa terminar de escrever. Ela disse que eu era nervosinho porque era um escritor amargurado, na realidade. Eu disse que era amargurado porque tinha que escrever aquele monte de merda, mas, à bem da verdade, eu me sentia ainda melhor assim do que naqueles dias em que tinha que trabalhar naquela porra daquele banco fudido que eu odiava e espremer alguns poucos instantes de fim de noite para escrever as preciosidades que eu considerava minhas obras primas. Ela calou a boca por um breve instante e eu achei que tinha desistido de me inquirir acerca de meus dotes literários. Foi quando ela falou baixinho que não tinha coragem de mostrar para a minha mãe as coisas que eu escrevia. Eu disse A tua mãe é uma velha carola!, não me interessa se ela me acha um pornógrafo por escrever o que eu escrevo, e se eu vou pro inferno ou pra putaquemepariu, eu só quero que tu me deixe em paz para que eu possa enviar esta porra pra esta merda de revista e rezar para que aqueles filhadasputa me enviem o cheque na semana que vem! Ela baixou a cabeça e começou a chorar, pateticamente com o bolo de cenoura quase caindo da mão, de um jeito que demonstrava claramente que queria que eu me aproximasse. Eu deixei ela ali chorando, porque sabia que, na verdade, ela estava mentindo. As fungadinhas compassadas não me tocavam há tempos e além do mais eu precisava terminar aquela porra daquela história.
2º Cena:
Coçava as frieiras do pé com um prazer que me fazia olhar estarrecido por diversas vezes aquela cena que, ultimamente, andava se repetindo à grande. Dizia que sentia o mesmo gozo de quando se masturbava olhando pro fundo dos olhinhos muito miúdos da gorda filha da vendedora de pilhas que se encostava no muro do nosso prédio. Um dia me revelou, embora eu não tenha certeza ser verdade até hoje, que nunca teve coragem de transar com ela. Achava que seus olhos tinham ternura em excesso, e, por mais que ela quisesse que ele fizesse a coisa, o máximo que ele fazia era deixar que ela ficasse sentada e quieta, enquanto ele olhava muito fundo nos olhos dela e via ali algum ponto excitante qualquer que o combalia a auto-satisfazer-se furiosamente. A gorda não ficava quieta, queria participar – era uma mulher, estava ali, e tudo o que ele queria era que ficasse olhando? Nessas horas ele batia na cara dela com o cinto que tinha tirado para que o tilintar da calça arriada ao sacudir não acordasse nosso vô que dormitava no quartinho ao lado. Tanto era o silêncio que tinham que fazer, que ele se atirava sobre a cara da gorda quando ela se punha a chorar por que ele atingira o clímax, gozando violentamente contra a parede, e ela não tinha participado daquele momento. Não da maneira que ela queria. Ele, de calças ainda arriada, passava seus dedos grossos nos lábios da gorda e dizia que ela não devia se corromper assim. Havia alguém muito especial para ela e, por enquanto, aquilo era tudo o que eles poderiam ter.
Alessandro Garcia (http://suburbana.blogspot.com) é escritor e publicitário, tem 24 anos, e acha Porto Alegre a capital do mundo. Apaixonado por Legião Urbana e Pearl Jam (e contraditoriamente, fã ardoroso de música soul), é vocalista da banda de funk-rock Zero Kelvin e idolatra Julio Cortázar. Sabe que, no final das contas, tudo é uma questão de manter a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranqüilo.
Comente!