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Estavam os dois, o tempo todo, a um passo da morte. O provador oficial do rei, que de um copo d’água até faisão à doré, deveria degustar de antemão tudo o que se destinasse às goelas monárquicas; e o bobo da corte, que por conta de uma piada mal-contada poderia virar bobo ao molho pardo – bastando para isso um estalar de dedos na direção do carrasco.
– Meu caro bobo, você é mesmo um sujeito de sorte. Fica aí com essa roupa de coringa de baralho, saracoteando e cheio de ha-ha-ha enquanto eu levanto todo dia achando que vai ser o último, pedindo aos querubins e serafins para que eu não mande pro bucho nenhum canapé estragado.
– Tá achando que a minha vida é fácil… E quando o maldito do rei acorda de ovo virado, depois de brochar com a rainha? Não tem pantomima, micagem, careta ou anedota que dê jeito. O panaca aqui tem que rebolar para arrancar um risinho meia-boca do patife de sangue azul. Se acontecer a desgraça dele não dar risada, tenho que rogar a Deus para que meu castigo seja uma temporada no calabouço ao invés da forca ou da fogueira. Isso se não optar pelo empalamento.
– Ah, mas o meu infortúnio é maior. Como todo reizinho devasso, há tempos atrás ele juntou 18 mulheres na cama e saiu de lá com um tipo raro e devastador de sífilis. O médico prescreveu uma poção pior que jiló com jatobá. Que eu tive que tomar junto com ele, mesmo não tendo participado da orgia.
– Não é fácil, não. Comigo, são quatro gerações de bobos na família. Do meu bisavô até este infeliz que vos fala, vamos requentando os mesmos e desgastados xistes, trocadilhos infames, frases de efeito duvidoso, tortas na cara, suspensórios que caem mostrando cuecas ridículas e mais um imenso repertório de baboseiras. Mas a sua função tem mais responsa, né. Pelo risco de morte iminente, imagino que o amigo receba um polpudo adicional de insalubridade.
– Que nada. Com essa crise grassando pelos feudos, o que não falta é gente querendo o meu lugar ganhando a metade do salário, e isso me sujeita a aceitar condições inóspitas de trabalho. Fora que o gosto culinário do rei não coincide em nada com o meu. Carne, por exemplo. Para mim tem que ser bem passada, e ele só come sangrando e pingando gordura, o que me dá ânsia de vômito. Mas, fazer o quê. São ossos do ofício. Ou melhor, carnes.
– Compreendo o seu infortúnio, amigo, mas você é feliz e não sabe. Ponha-se no meu lugar e imagine-se fazendo piruetas, dando cambalhotas e tendo que tirar da cartola um gracejo inédito a cada meia hora, que agrade aos instáveis humores desse déspota adiposo.
– Você falou em se colocar no lugar, o que me sugeriu uma ideia… pode parecer absurda a princípio, mas se der certo nos garantirá alguns meses de sobrevida.
– Diga.
– Eu me disfarço de você, e você se disfarça de mim. Vamos inverter os papéis. As piadas e gracinhas que eu conheço você ainda não contou, o que fará o monarca rir. Por outro lado, seu estômago certamente está bem melhor que o meu para provar o que vier pela frente. O que acha da ideia?
– Meu caro provador, eu posso ser bobo, mas não retardado. Quando a minha piada dá chabu, eu ainda consigo arriscar uma cosquinha no sovaco para tentar livrar minha pele. Mas se pego uma coxa de frango com cianureto, é óbito instantâneo. Me desculpe, mas terei que declinar do convite. A propósito, está tocando o sininho. Hora da ceia…
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