Será que os humanos também têm alma? Por que só nos, os cães, teríamos o privilégio de possuir um espírito capaz de sobreviver ao corpo? Talvez seja uma questão cultural a crença de que somos melhores que eles. É, pode ser, sim.
A verdade é que toda vida importa. O fato de, como seres racionais, nos acharmos com o domínio sobre as demais formas de vida, não se sustenta absolutamente. Me surpreendo, às vezes, olhando para um humano, e sinto que ele está a um passo de latir e de demonstrar sua inteligência semelhante à nossa. Ninguém pode provar que não seja assim, não podemos entrar na cabecinha deles para sabermos o que se passa…
Tudo bem que esta afinidade que temos com mulheres, homens e crianças às vezes nos obriga a rituais ridículos, tão retardados que não raro nos pegamos a pensar que o QIzinho deles de fato não é lá essas coisas: tolices como “dá a pata, vai pegar a bolinha, senta, levanta” e por aí vai, numa sequência interminável de comandos idiotas. Tudo com aquela voz irritante de criançola, que eles só usam para falar conosco. Dá pena de ver como se contentam com pouco – ficam felizes da vida, riem tanto, batem palmas com essas bobagens infantiloides. Mas tem que ter paciência, são animais e não dá para exigir muito mais que isso. Trata-se de um exercício de compreensão, de compaixão e de aceitação de que eles também são criaturas de Deus.
Dominamos a ciência e a arte da conquista de territórios (o que vai muito além de mijar para marcar como nossa a área em que estamos), e esta expertise foi sendo aprimorada ao longo dos milênios com estratagemas tão sofisticados que hoje podemos considerar os humanos como definitivamente escravizados, subjugados às nossas vontades e caprichos.
A evolução se deu naturalmente e continua em curso, sob a bênção de São Francisco. Do abandono nas ruas, vivido na carne pelos nossos antepassados, passamos para o fundo dos quintais humanos. Daí para as casinhas de cachorro, em seguida para dentro dos seus lares até tomarmos suas camas, seus filés ao molho madeira, suas batatinhas de fast-food e até suas paletas mexicanas em dias de calor escaldante. Nada tem escapado do nosso naco devorador, sem que tenhamos que apelar nem para a violência e nem para a chantagem emocional. Vamos comendo pelas beiradas, numa dominação sutil e silenciosa, de maneira que eles não se deem conta que nos entregam, aos pouquinhos, as rédeas (ou as coleiras) de suas vidas.
Esta é uma obra de ficção.
© Direitos Reservados
Imagem: unsplash.com (livre para uso)
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