Curiosidades pouco divulgadas sobre o ser abençoado
Dizem as más, as boas e as indiferentes línguas que foi num dia de mansa chuva de granizo, no ano da graça de antes de antanho, que o ainda imberbe Duña, a divindade das divindades, sentou-se em sua poltrona de veludo grená na posição de lótus e desembestou a consultar seus alfarrábios, em busca de expressões animalescas.
Não, não, nada de barbarismos, sexo selvagem ou coisa parecida. O ungido e nunca suficientemente louvado Duña jamais seria capaz de sacar de dentro da túnica o seu pince-nez com fins pouco edificantes. Muito menos seu lornhão – talvez a palavra mais estranha do nosso vernáculo – com algo que maculasse o incorruptível ministério profético, erguido ao longo de milênios.
Isto posto, eis que antes do meio dia, quando o refogado de cebola e alho de Tia Zefa começava a lhe impregnar as narinas, já tinha o iluminado reunido um elenco admirável de expressões, para lançar mão em suas próximas preleções por esses paradeiros perdidos de meu Deus.
O Venerável assim as catalogou, com um lápis de sobrancelha, no verso de uma bula de Novalgina:
. Ficar às moscas.
. Ir pentear macacos.
. Dar com os burros n’água.
. Tirar o cavalinho da chuva.
. Pagar o pato.
. Deixar a vaca ir para o brejo.
. Estar com a pulga atrás da orelha.
. Contar com o ovo no reto da galinácea.
. Engolir sapo.
. Ter memória de elefante.
. Ficar feito barata tonta.
. Soltar a franga.
Relatos orais dão conta de que, uma vez concluído este compilado, Duña pôs-se febrilmente a pesquisar contextos onde pudesse empregar com propriedade as expressões, de forma que fizessem sentido aos abençoados ouvidos que as escutassem. Estivesse o mestre pregando em qualquer parte do mundo, da padaria do Manoel às pradarias da Catalunha, passando pelo Cambodja e Paranapiacaba.
Esta é uma obra de ficção.
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