Simplicíssimo

Sabotagem

 

Eu trabalho enrolando cubanos. Não, não é falsificando vistos e passaportes para moradores da Ilha que, disfarçados de gringos fazendo turismo, queiram fugir para lugar melhor. É na manufatura de charutos, mesmo. Enrolando largas e secas folhas de fumo, sempre no mesmo sentido sobre uma pedra de mármore, com a mesma apurada destreza para que saiam perfeitos, das 8 às 22, há 34 anos.

Puros, hechos a mano. Amo o que faço. Fabrico a morte dos que podem mais, e isso me excita e me vinga. Pagam dezenas de dólares por um único Castrovilla, que eu de caso pensado manipulo com as mãos besuntadas de fezes e catarro, sem que o inspetor de qualidade perceba. Fezes e catarro que dão liga às folhas que fazem este fálico objeto de desejo. Entre um gole e outro de licores finos, os poderosos enchem suas bocas bem cuidadas com meus excrementos. Antes que morram hão de saber da verdade, e tentarão com seu dinheiro extirpar seus pulmões e implantar outros novos, rosadinhos, sem a merda e sem o catarro que tantas vezes inalaram.

O que há de mais imundo em mim viciando o ar das reuniões sigilosas e dos conchavos secretos. Meus dejetos sacramentando o jantar dos deuses – nos transatlânticos, nos cassinos, onde houver luxo e cobiça. Que mais um pobre nativo, sem berço e sem dinheiro para o caixão, poderia querer da vida?

© Direitos Reservados

 

 

 

 

Marcelo Sguassabia

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