Simplicíssimo

A outra cabeça

Eles são bonitos, simpáticos, gostam dos mesmos assuntos, têm uma afinidade com um encaixe perfeito. Teoricamente, o casal perfeito. Mas o fato é que na prática não deu certo. E não se encontra muitas respostas a quem ousa questionar o porquê. Talvez por não existir mesmo, talvez pelo nosso infinito desconhecimento da natureza humana.

Pois uma idéia que me faz entender um pouco melhor essa delicada situação está nos quebra-cabeças. Tomamos por exemplo quatro imagens que estão à procura de seus semelhantes:

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Devemos considerar, é claro, que nada é assim muito definido “de cara”. Quando conhecemos alguém, tomamos ciência de apenas parte daquela pessoa, que vai surgindo por inteira, aos poucos, às vezes de forma mais rápida outras vezes lentamente e por vezes nunquinha mesmo (aproveitando o que Caetano dizia: “De perto ninguém é normal”).

Então vamos recortar todos essas imagens em pedaços menores, com encaixes positivos e negativos (assim como as qualidades e defeitos), como se fossem peças de um quebra-cabeças. E suponhamos que por algum mérito exclusivo do nosso supremo arquiteto do universo, para algumas peças ele possa ter usado a mesma forma e, ainda, vamos imaginar que o verso de todas as peças resultantes possuam uma mesma cor, ou simplesmente a ausência de qualquer uma:

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E só ele mesmo poderia separá-las, misturá-las bem, e jogar por aí, como quem sopra um punhado de plumas ao vento. Caídas aos pedaços, de frente ou verso, sem que soubéssemos nem ao menos o que isso queria dizer. Um trabalho nada fácil para encontrar os recortes certos de cada imagem.

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Mas enfim, em nossa viagem finita (ou não) saímos por aí encontrando pessoas e as conhecendo-as, muitas vezes encaixando-as em nosso mundo de relações e nos aproximando cada vez mais, como se procurássemos completar algo, ou a nós mesmos. E, em nossa ânsia contemporânea, por vezes acabamos formando imagens erradas das pessoas, com peças incompletas ou com representações (que bem podem ser nossos anseios e desejos projetados nos versos vazios das imagens).

Façamos mais um esforço. Com todas as peças ao avesso, tudo é muito parecido. E se encaixarmos com perfeição, ao virar o conjunto teremos a grande surpresa desilusória:

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Percebam assim, que aquilo que à primeira vista nos parece estar perfeitamente encaixadinho (principalmente para quem vê de fora, para quem não está montando o quebra-cabeças), por vezes nada mais é do que um ledo engano, um emaranhado pouco compreensível.

Ah sim, no quebra-cabeças da vida, nem sempre tudo é perfeito. Aliás, deveríamos mesmo estar esperando algo diferente? (…)

“Mas louco é quem me diz .. que não é feliz”. E por falar em música, isso tudo me lembrou do poema "Peças de Pessoas", lindamente interpretado pela cantora gaúcha Adriana Deffenti:

PEÇAS DE PESSOAS
(Mateus Mapa/Leonardo Boff)

Uma pessoa não pode agir de qualquer maneira
Senão da maneira que lhe faça sentir pessoa
Cada pessoa possui em si, peças de pessoas
Uma pessoa em todas as pessoas

Um general está para um Gabeira
Uma cabeça pertence a um universo Globo
Da mesma forma que o fogão pra geladeira
Assim como a vovó pertence ao lobo

A caligrafia está para a letra torta
A minoria do mundo vem chocando o povo
Assim como o espantalho está para o corvo
Assim como a galinha está no ovo

Uma pessoa não pode agir de qualquer maneira
Senão da maneira que lhe faça sentir pessoa
Cada pessoa possui em si, peças de pessoas
Uma pessoa em todas as pessoas

No ovo de um João Gilberto, um João Gordo
Assim como para o quilograma o metro
Como para o feto, o morto
Nessa feira a caixa está à venda
Do conteúdo nem se faz a encomenda

De uma pessoa,
Uma cabeça numa fogueira
Libertada, qualquer maneira
No lado inverso, o destino da poeira
Capoeira, Capoeira

Eduardo Hostyn Sabbi

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