Simplicíssimo

Muito Burro

Não pretendia voltar a abordar política tão cedo aqui nesta coluna, mas as declarações que li do nosso excelentíssimo presidente em reportagem na Folha de São Paulo Online do dia 06.07.2004 ainda retumbam em algum neurônio desocupado da minha cabeça. Ele (o neurônio) deve estar brincando de ócio criativo ou coisa que o valha. Ah, sim, as frases do Lula:

“Eu não consigo compreender por que alguém vai ao banco tirar dinheiro com o cartão de crédito para pagar 12% de juro ao mês, ou seja, eu não consigo compreender por que vai. Não deveria ir, e, se não fosse, acabaria isso”. Pois Sr. Presidente da República, eu (em minha plena insignificância), não consigo compreender por que, tendo que pagar um caro IPVA, ainda sou obrigado a despender meu curto dinheirinho em impostos embutidos na gasolina, gastos com pedágios em rodovias esburacadas e muito provavelmente mais uma quinquilharia de outras taxas que pago sem saber o que e para que são. Não consigo compreender por que, tendo que pagar o IPTU, ainda me aplicam taxas extras de água, lixo e a mais recente de todas, iluminação pública. Não compreendo essas e outras tantas situações mais que gastariam meu teclado se eu fosse abordar uma a uma. Mas não o farei, já que no momento não posso comprar um novo, a não ser que eu use o meu cartão de crédito. Acredite, Sr. Presidente, não consigo compreender como alguém batalha arduamente mês a mês para ganhar o insuficiente para pagar suas contas (não começo com esse item por acaso), moradia, alimentação, vestuário, saúde e educação para si e sua família, para tentar adquirir algum patrimônio (ou não perder o que já tem) e dar uma voltinha lúdica de vez em quando (que não é mais o futebol, pois mesmo o “esporte do povo” passou a ter preço mínimo, pequeno só no nome). Não consigo compreender como você não compreende que, com a renda comprometida totalmente a cada início de mês, precisa o trabalhador lançar mão da já tradicional contenção de despesas, da compra a prazo, do fiado, de algum empréstimo bancário, do cheque especial e, não sendo o bastante para tapar o furo financeiro e honrar seus compromissos, utilizar o cartão de crédito. Mas uma letra está se apagando no meu teclado, vamos adiante.

Quando você diz que “Da mesma forma, não consigo compreender por que as pessoas não se organizam em cooperativas de crédito para sair do sistema financeiro a juros escorchantes” sinto-me impulsionado a dizer-lhe que faço parte de uma cooperativa, a Unimed, que se organizou bastante bem a ponto de criar a Unicred, uma instituição financeira ao estilo bancário, cujos benefícios estão muito longe de serem a solução para o meu bolso e servindo muito mais como uma poliana satisfação pessoal de ter acesso a essa minha “regalia”. Mesmo porque tal entidade é regida pelas leis e oscilações do mercado financeiro, incluindo os juros que confesso não compreender como você, Sr. Presidente, não dá jeito de baixá-los. Mas quantos brasileiros podem usufruir dessa infra-estrutura? E excluídos desde o princípio, tornam-se então os verdadeiros culpados pela parnafenália econômica que os assombra? Convenhamos Sr. Presidente, há de se conseguir compreender …

Mas lhe dou alguma razão na sua frase “Quando a pessoa vai trocar uma duplicata, paga uma exorbitância, ou seja, o que vai resolver isso? Isso não vai se resolver com uma lei, isso vai se resolver com uma ação […] Nós haveremos de transformar o Brasil num país cooperativista.” Realmente estamos fartos de leis bonitinhas jogadas na prateleira. O noticiário dessa semana informa (ou denuncia, como queira) que chegam a mais de 9.600 os projetos de lei que aguardam aprovação em nosso moroso sistema legislativo, não recordo bem se na câmara, no senado ou no escambau. Aliás, não faz muita diferença mesmo. Em torno de 60% dos projetos apresentados em 2003 pelos políticos gaúchos refere-se a tombamentos históricos, nominação de ruas e datas festivas, como por exemplo o dia do cavalo, de fundamental importância para vencermos a crise social em que vivemos (!!!). Já o congresso trabalhava (não no sentido literal da palavra), até bem pouco tempo, de 3ª a 5ª feira por 10 meses anuais, com direito a inúmeros vergonhosos benefícios, viagens patrocinadas e ausentando-se em períodos de campanha político-partidária de todo tipo. Nem vamos falar do milagre da multiplicação do salário nas convocações extraordinárias, um prêmio ao funcionário relapso que não conseguiu cumprir com suas obrigações no seu horário de expediente. Como o senhor mesmo diz, caro (mas muito caro mesmo) Presidente, falta ação e não consigo compreender como você ainda não teve a sua, enérgica como exige o meio, frente a tudo isso. Mas que não seja na forma dessa descarada utopia marxista, ou das suas incorporadas distorções que vemos por aí. Prefiro muito mais o que Rafael Reinehr tem a nos dizer em “A Grande Cooperativa Mundial”, na edição 03 do Simplicíssimo. E antes que você diga que não compreende como chegar lá, já vou logo explicando que basta clicar no nome desse texto para acessá-lo.

Sim, “Os honestos pagam pelos desonestos, e os que pagam se sacrificam pelos que não pagam”. Pois é, nem sei muito o que dizer. Ah, você fez uma linda frase de efeito, parabéns! Rica em verbos que nos deixam cada vez mais pobres: pagar e sacrificar. Tudo isso enquanto os bancos (inclusive os que teriam sido concebidos com uma maior função social, se é que isso é possível) superfaturam com a justificativa da necessidade de garantias frente aos riscos de inadimplência. Não compreendo bem como, mas posso lhe afirmar Sr. Presidente que a matemática dessa conta está errada (mesmo tendo escolhido as ciências humanas, eu sempre me dei muito bem nessa disciplina). Cobrar 10% e pagar 1% é deveras um absurdo desproporcional e descabido. E também não compreendo o porquê vem a público o seu amigo ministro apavorar toda a população deste simpático país com informações de que a Petrobrás está com os preços finais defasados, que o barril do petróleo teve alta, que o gatinho subiu no telhado, o telhado tem muito limo e começou uma fina garoa. Bem sabemos que essa “nossa” empresa (como diz o comercial na TV) apresenta faturamento e lucro empolgantes até mesmo para a hiena Hardy (muito embora ele possa não confessar por ter sido contratada para fazer comerciais de uma instituição bancária …). Já a minha situação vou lhe contar: ainda estou pagando as prestações do insaciável imposto de renda (o que não considero privilégio algum, que besteira aquela que o senhor foi dizer, hein?) enquanto minha empresa, que luta bravamente para sobreviver, vê-se imobilizada para crescer e lhe ajudar a gerar empregos e cumprir suas promessas de campanha. Ah, você não compreende o porquê? Nuca teve uma empresa? Vou lhe explicar então que o ávido governo (sim o seu!) com sua incrível e desaforada política fiscal, abocanha 40% da receita da empresa, substanciosa fatia que não têm sido empregada no efetivo combate à fome, analfabetismo e outros males do século. Muito pelo contrário, se perde em contas particulares, bancos suíços, falcatruas e desvios mil que corizam (inventei agora) bem debaixo do seu nariz. Você ainda teria uma desculpa se a expressão fosse “escorrer entre os dedos”, por questões óbvias, mas não é o caso.

Assim é o nosso país Sr. Presidente, o país que você dirige e onde vivem todos aqueles que lhe deram um voto de confiança com a esperança de mudarmos o rumo e espantarmos a crise. Não me diga que esqueceu, você tem um dedo e não um parafuso a menos (eu acho). Ah, não é isso, é que você não compreende, não é Sr. Presidente? Nem eu, nem muitos, talvez nem todos. Existe, realmente, alguém muito burro por aqui.

Eduardo Hostyn Sabbi

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