Falo do tempo em que cursos como medicina, odontologia e direito deixavam de ser os mais procurados nos vestibulares das faculdades, efeito direto da conjuntura político-social e da demanda das classes menos favorecidas então dominantes. A nova moda era estudar (se é que o verbo é realmente esse) no UFST – Universidade Federal dos Sem Terra. Cercada de barracas por todos os lados (dentro inclusive), nem era preciso entrar para avistar o lema exposto em banner de alta qualidade: “A liberdade do outro termina onde começa a minha”. O estacionamento, sempre cheio, era coberto e dava direito ao seguro para camionetas F-1000, D-20 e superiores. Só não cobria danos causados por apropriação indébita do veículo pelos alunos da faculdade ao lado, a UFSC (Universidade Federal dos Sem Carro). O currículo? Ah sim, claro. Englobava desde as cadeiras básicas “aprendendo a reclamar” e “pedinte hostil”, passando pelas de “agrupamento e desordem”, “invasão (nível I a IV)” e, finalmente, chegando às mais sofisticadas, como a de “direitos & direitos”. Mas as cadeiras de cultivo, plantio e colheita só apareciam na pós-graduação, muito embora fossem raros os que, tendo aprendido o essencial, seguissem a carreira acadêmica.
É verdade que nunca simpatizei muito com movimentos do estilo do MST. Suas associações com entidades políticas fizeram por merecer meu imenso desprezo, uma vez que só resultavam em acirramento de ânimos, distorções dos ideais e oportunismo político. Também porque vejo neles um legítimo resultado do paternalismo governamental, que serve, quase que exclusivamente, como ferramenta de perversa sedução. Devo é claro reconhecer a inquestionável verdade do desigual ponto de partida de distintas classes sociais. Com certeza, suas condições (herdadas ou adquiridas) são menos próprias ao desenvolvimento de um ser pleno de capacidades. Isso implica, por sua vez, em diferentes motivações e aspirações em todos os campos da ciência humana. Igualmente longínqua é a origem dos latifúndios, capitanias presenteadas com um ou outro critério, ou quem sabe até sem critério algum. Sim, teríamos que falar em tribos, ocas e pajés também.
Mas creio que seja preciso mais do que vítimas com sede de vingança para resolvermos a questão da má distribuição agrária. Caberia pois aos mais esclarecidos, aos que se intitulam representantes do movimento e que demonstram através dele reais capacidades de liderança, partir para uma peregrinação em busca da mais completa cidadania. A crítica a tais lideranças não deve ser amena. Tampouco se deve poupar os governantes e seus lindos projetos ao melhor estilo carnavalesco “para inglês ver”. Em um mundo sem mágicas ou milagres, não há peixe sem pescaria, não há ganho sem esforço. Assentamentos desfeitos e terras abandonadas pelos muitos insaciáveis integrantes do movimento têm conseqüências arrasadoras e põe ladeira abaixo as argumentações de toda uma construção do justo clamor social. Mais: incitam fazendeiros a se organizarem em milícias para defender o que também a si é seu de direito.
O que podemos fazer ao invés de ficarmos apenas assistindo apreensivos a marcha dos sem terra para algum lugar e para lugar algum, com alguma certeza de que novamente isso tudo dará em nada? O que aprendemos ao longo de toda nossa história e o que podemos ensinar? Não sei por quanto tempo continuaremos a empurrar o problema para as gerações futuras. Será que mesmo na época da UFST, tapar o sol com a peneira será lição de casa? Sim, a UFST é, de fato, uma brincadeira. Mas uma brincadeira repleta de verdades. Não é preciso ter algum diploma para fazer parte de uma de suas classes. Aliás, se formos pensar bem, só o que se precisa é o “não ter”.
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