Simplicíssimo

de cá um abraço (parte II)

– me ajude aqui no terno, Alberto, por favor. Veja se está tudo dentro dos conformes.

– ah, doutor, o que seria do senhor sem mim ?!?

– eu simplesmente teria outro assessor e marqueteiro, Alberto!

– ah, duvido que eles teriam minha capacidade, minha tolerância… nós nos entendemos só nos olhares, doutor!

– isso é verdade, Alberto, aliás… como está a agenda nossa para hoje?

– Café no bar do Zé Gordo…

– ah, não! No Zé Gordo?? outro dia vi uma barata andando no chão (faz menção de vomitar)

– doutor, a mídia vai estar presente, não se esqueça!!

-… e depois o que teremos?

– visita às pessoas do Buraco Quente…

-não, não, Alberto, lá não vou…

– a midia, patrão, a mídia…

Ajeita o gravata com raiva.

– continuando, Alberto.

– um encontro com religiosos na…

– ah, me lembrei onde, mas como ficará minha reputação perante minha doutrina, Alberto??

– a mídia, doutor, a mídia…

– a mídia, sempre a mídia – tenta arrumar as abotoaduras, nervoso.

– uma visita à Vila Esperança, onde o senhor prometeu investir na educação…

– Alberto… vou ter que beijar aquelas crianças encardidas e piolhentas???

– doutor, a míd…

– tá, tá, já sei… e já to de saco cheio de tanto você falar essa palavra.

– mas, patrão, política é assim…

– já sei, já sei, Alberto, faz o seguinte: põe seus dois filhos na frente daquela criançada piolhenta, daí eu pego seus filhos e beijo , abraço…

– Doutor?? eu colocar meus filhos no meio daquela criançada encardida e piolhenta??

– Alberto, veja o lado bom: seus filhos irão aparecer na televisão…e não se esqueça que lhe pago bem… e olha a mídia!!…

Afonso José Santana

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