O mercado editorial brasileiro é recheado de lançamentos. Em 2005 foram distribuidos 41.666 ISBNs (contra 32.156 de 2004 e 22.445 de 2003 – um aumento de quase 10.000 publicações por ano!)(fonte: Biblioteca Nacional). A esmagadora maioria destes ISBNs cataloga livros. Lembramos ainda daquelas publicações independentes que não levam ISBN. Desde mar de edições que pululam nos brejos, sertões, cerrados, campanhas e cimentos do Brasil, salvam-se (sou otimista) algumas centenas de publicações que vieram para ocupar um espaço merecido no mercado, tanto pela sua qualidade quanto pelos seus princípios. São obras de escritores consagrados ou iniciantes que mereceriam estar na biblioteca particular de José Mindlim (agora sob cuidados da USP) ou na sua estante, valoroso leitor.
Em meio a estas centenas, existem milhares que foram publicadas por dois motivos apenas: necessidade de gerar renda ou necessidade de se expressar.
Vamos analisar a situação.
Escreve-se um livro de auto-ajuda financeira. Qual é seu objetivo? Ajudar seus leitores a conseguirem estabilidade financeira, além de ajudar seu autor a aumentar a própria. Não há críticas quanto a isso. O livro tem seu valor, desde que atinja o resultado proposto: sugerir, através de idéias claras e práticas como gastar menos do que se ganha. Bem, ainda não estamos falando de literatura. Quero centrar-me mais na literatura de ficção, aquela, dos grandes romancistas, novelistas e contistas, aquela dos grandes poetas.
Alguém escreve um livro de ficção no Brasil pensando em ganhar dinheiro? Sim: os escritores consagrados. Ademais, escritores iniciantes, novatos ou independentes escrevem, em um primeiro momento, pela necessidade de se expressar. E é aí que reside o perigo: desta safra, tão numerosa quanto suicida, surgem as melhores surpresas e as piores catástrofes da literatura nacional. De uma safra que produz Daniel Galera, Joca Reiners Terron, Marcelino Freire, Marcelo Spalding, Mayrant Gallo e tantos mais, são inumeráveis os abomináveis inomináveis que, publicam seus textos sem, muitas vezes, uma revisão adequada ou uma avaliação editorial sincera.
É direito de todos terem acesso a uma gráfica, pagar sua própria publicação e imprimirem seu livro. Isso é alienável e inquestionável. Difícil é separar, uma vez na prateleira, aquilo que merece do que não merece ser lido. São fabulosas as experiências egotripianas transformadas em literatura, ocupam espaço pequeno mas sincero na história da literatura brasileira; todo tipo de experiência, a propósito, é válido, para tirar da estagnação uma literatura que, nos dias atuais, tem em Paulo Coelho seu principal representante além-mar (e não o estou criticando, porque nunca li o Mago – apenas creio que já chegou a hora de algum cavaleiro iniciar jornada em busca da visibilidade ostentada pelo amigo de Raul). Quem sabe você, sentado aí lendo este texto, não se habilita?
Dentre aqueles que se destacam no meio editorial brasileiro, pendendo para o independente mas com sofisticação e seriedade de sobra, encontra-se a Amauta Editorial. Capitaneada por Marcelo Barbão, Stella Baygorria e Vanderlei Mendonça, a Amauta publica no Brasil obras de escritores ibero e latino-americanos ou livros de brasileiros traduzidos para o espanhol. No seu catálogo encontramos obras como “Os imigrantes”, de Horácio Quiroga, “Duas vezes junho” e “Uma pena extraordinária”, de Martín Kohan, “Nunca aos domingos”, do mexicano Francisco Hinojosa, Farabeuf, do também mexicano Salvador Elizondo, além de Ciudad Ácida, vertido para o espanhol, do supracitado Marcelino Freire.
Quem não valoriza a escrita de nossos hermanos chicanos, castelhanos, cucarachas e espanhóis, precisa dar uma boa revisada nos conceitos. Comece pelos livros do catálogo da Amauta mas não pare por aí: faça um exercício e tente ler no original os contos de Borges e Cortázar, os romances de García Marques e de Juan Rulfo, além dos menos conhecidos Alejo Carpentier, Manuel Puig, Alberto Fuguet, David Toscana e Ignácio Padilla, que têm recebidos boas avaliações da crítica especializada. Ah! Não deixe de ler “Contos de Amor, de loucura e de morte”, de Horácio Quiroga. Mesmo!
A propósito: aos estudiosos da literatura hispânica, ajudem-me e coloquem algumas mulheres nesta lista!
Rafael Reinehr
Editor
PS: Hoje nosso digníssimo amigo Rodrigo Monzani estréia a Seção “Extemporâneas”, dedicada a publicar textos de ex-colunistas do Simplicíssimo que voltam à carga com eventuais artigos.
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