Simplicíssimo

Edição 306 (11/12/08) – Amigos zumbis, Afeto e Comunidades Interativas

Depois do amigo Eduardo deixar bem claro que este site é, indubitavelmente, um site parcial (Colorado, com muito orgulho), deixemos de lado por alguns meses o assunto futebol e vamos falar de algo que tem me intrigado ultimamente e cujo interesse se reacendeu após ter recebido o seguinte mail da amiga Solange Ayres (mantido no original, sem acentuação ou cedilha, pois foi enviado da Alemanha):

“Alo Rafael.

Ontem deparei com um interessante artigo no portal da rede ZDF e uma série de artigos sobre os usuários da internet, pesquisas, etc. As pesquisas daquí apontam "Frust statt Lust", isto é Frustacao ao inves de prazer. A maioria por aqui se diz bombardeada por email e se sentem incomodados a quantidade de informacao de toda a sorte. Na pesquisa sobre usuários e perspectivas os cientistas sociais preveém uma dimunuicao de internautas. Cada dia mais pessoas deixam de usar a internet. As causas: o mundo virtual nao da satisfacoes como em contatos pessoais e os "saturados de internet" ja chegaram ao seu limite. Sao 2,6 milhoes de ex onliners. A internet para eles custa muito dinheiro e tempo e ainda reduz os contatos sociais no mundo real e que significa que quem fica muito tempo on line tem pouco tempo para outras coisas. Os internautas denominaram os "amigos zombis",relativos as amigos conhecidos atravez da internet. Nos Eua também acontece o mesmo fenomeno e as pessoas estao cansadas de Facebook e outras "comunidades interativas". Apesar dos portais Wikipedia, flickr ou You Tube ser bem acessados poucos interagem, mandam foto ou video e muito menos fazem qualquer comentário, um consumo que eles chamam "passivo". Foram analisados a relacao de "acesso" e interacao: Em 10.000 acessos de um determinado video, somente 16 comentários. Isso mostra a "passividade" dos internautas em ralacao ao digamos "consumo cultural" na internet. Aqueles que pecorrem web-blogs, videoportais, participam passivamene e raramente se tornam "ativos" nas discussoes virtuais. Estou aquí transcrevendo parte da diversa matéria publicada pela ZDF e talvez para refletir um pouco sobre a nossa própria situacao. A matéria vai mais além, com dados, mas nao vou aquí debulhar, pois vai ficar muito longa.

Sao apenas alguns dados para ajudar a nossa reflexao.”

A Solange Ayres é minha parceira no site O Pensador Selvagem, onde edita a coluna Este País, Alemanha e está sempre atenta ao que acontece na sociedade alemã. O que acontece por lá também acontece por aqui, em maior ou menor grau e nos faz pensar acerca desta “interatividade de mentira” provocada por todas estas redes sociais que se reproduzem de forma mais rápida do que ratos e coelhos.

Isso me fez lembrar de um texto da Simplicolaboradora Evelise Birck Rodrigues, que lá em novembro de 2002, na edição de número 2 do Simplicíssimo escreveu, em seu artigo entituladoPrimeiras Linhas

O que me aborrece profundamente são assuntos como globalização, "chats", namoro virtual, superespecialização, individualização. Socorro! Ora… foda-se tudo isso! Será que alguém consegue enxergar??? Todos nós estamos vivendo uma crise de carência afetiva crônica! Não me refiro a este pequeno vilarejo que é Porto Alegre, falo de todos nós, falo do mundo. Uma visível apatia toma conta dos ânimos. Pessoas cada vez menos se vêem, e quando eu falo ver, estou falando a respeito de encontros mesmo; se abraçam menos, sorriem menos, se beijam menos. Por mais que isto lhe pareça piegas, me entristecem estes fatos. Que fim levaram os encontros diários de amigos com todos aqueles abraços? Onde estão aquelas discussões fervorosas, com direito a tapas na mesa? Até mesmo os trabalhos acadêmicos em grupo… antes animados com lanches e fofocas? Todos estão mais entocados dentro de casa, mais egoístas, mais EU e menos NÓS, trocando mensagens quando estritamente necessário, vivendo nas células vitais de seus aptos. Recuso-me a aceitar este tipo de comportamento tacanha e murrinha. Exijo o retorno dos velhos hábitos.”

É isso: crise. Crise causada por uma oferta fora de contexto. As pessoas compram coisas achando que é naquele celular que se encontra a felicidade. Em maior ou menor grau, é isso que as redes sociais oferecem: contatos fáceis com pessoas “parecidas” conosco ou que nos sejam “interessantes” mas que em 99% dos casos não podemos tocar além da fina légua do monitor. Pessoas, cuja verdadeira face, “não mascarada” (ou pelo menos com menos máscaras), fica intocada. São criadas imagens rasas, superficiais e desprovidas de intensidade suficiente para gerar vida na relação que se forma entre quem quer transmitir e quem espera receber um estímulo. Como resultado, há uma comunicação plena de ruídos, onde nem um nem outro pólo da comunicação fica satisfeito. Um volta para casa sem a retroalimentação tão esperada pelo seu trabalho, pelo seu esforço de produzir conteúdo para a Web e outro, sem captar integralmente a figura que foi transfigurada pelo autor.

O voyeurismo cibernético, se não chega a ser uma praga, não deixa de ser uma expressão da incompletude. Incompletude da relação que se forma entre emissor e recipiente da informação que se quer transmitida. Como a Evelise fala, com outras palavras, “eu quero AFETO, porra!”.

E é isso que falta na Internet. Mas também é isso que sobra na Internet, se soubermos procurar bem.

Não bato o martelo. Quero muito seguir participando desta experiência e ver onde ela vai terminar. Na verdade, sei que não vai terminar. Como tudo, vai se transmutar e seguir, com outro rosto ou outro corpo. E eu quero estar lá pra ver.

Rafael Reinehr

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