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Eduardo Galeano – De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso

Eduardo Galeano De Pernas Pro Ar

Idolatrar pessoas geralmente é característica do espírito jovem, adolescente. Depois que crescemos, costumamos incorporar algumas características daqueles nos quais espelhamos em nossa personalidade, mas não temos o hábito de seguir identificando-nos com ídolos. Se me perguntassem, entretanto, o que gostaria de ser quando crescer, não teria dúvidas em dizer: Eduardo Galeano!

É claro, também gostaria de ser um pouco Bakunin, um pouco Capra, um pouco Morin e, se sobrasse espaço, muito de mim mesmo…

Me foi emprestado pelo grande amigo Eduardo Sabbi o livro De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso. Quando me emprestou, disse: “Esse livro é uma patada em cima da outra”. E estava certo: em “De Pernas Pro Ar”, Galeano exerce todo seu conhecimento da cultura e política da América Latina sob o olhar atento de alguém que, desde 1971, com “As veias abertas da América Latina” vem criticando a exploração de nossa sociedade pelo assim por Deleuze chamado de Capitalismo Mundial Instituído.

Publicado em 1999, esta obra do escritor uruguaio possui tantas pérolas que necessitam ser registradas lá dentro de nosso ser que precisarei relê-la novamente e, desta vez, não sem fazer anotações detalhadas de todos trechos impressionantes que ela contém em quase todas as mais de 350 páginas.

Até lá, selecionei alguns trechos representativos de parte do pensamento de Eduardo Galeano. Acompanhe:

 

 

Caminhar é um perigo e respirar é uma façanha nas grandes cidades do mundo ao avesso. Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos. Estamos condenados a morrer de fome, morrer de medo ou a morrer de tédio, isso se uma bala perdida não vier abreviar nossa existência.”

 

 

O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contra-escola.”

 

“A publicidade manda consumir e a economia proíbe. As ordens de consumo, iguais para todos, mas impossíveis para a maioria, são convites ao delito.”

 

“A igualação, que nos uniformiza e nos apalerma, não pode ser medida. Não há computador capaz de registrar os crimes cotidianos que a indústria da cultura de massas comete contra o arco-íris humano e o humano direito à identidade. O tempo vai-se esvaziando de história e o espaço já não reconhece a assombrosa diversidade de suas partes. Através dos meios massivos de comunicação, os donos do mundo nos comunicam a obrigação que temos todos de nos contemplar num único espelho, que reflete os valores da cultura de consumo. “A televisão (…) não só ensina a confundir qualidade de vida com quantidade de coisas…”

 

O PROBLEMA: A economia mundial exige mercados de consumo em constante expansão para dar saída à sua produção crescente e para que não despenquem suas taxas de lucro, mas, ao mesmo tempo, exige braços e matéria-prima a preços irrisórios para baratear os custos da produção. O mesmo sistema que precisa vender cada vez mais, precisa também pagar cada vez menos. E como quem recebe menos pode comprar mais?

Segundo Galeano, o valor dos produtos para animais de estimação que, a cada ano, são vendidos nos Estados Unidos, é quatro vezes maior do que toda a produção da Etiópia. As vendas da General Motors e da Ford superam largamente a produção de toda a África negra. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “dez pessoas, os dez mais ricos do planeta, têm uma riqueza equivalente ao valor da produção total de cinqüenta países, e quatrocentos e quarenta e sete milionários somam uma fortuna maior do que ganha anualmente a metade da humanidade”

 

 

“Num mundo que prefere a segurança à justiça, há cada vez mais gente que aplaude o sacrifício da justiça no altar da segurança. Nas ruas das cidades são celebradas as cerimônias. Cada vez que um delinqüente cai varado de balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta. A morte de cada malvivente surte efeitos farmacêuticos sobre os bem-viventes. A palavra farmácia vem de phármakos, o nome que os gregos davam às vítimas humanas nos sacrifícios oferecidos aos deuses nos tempos de crise.”

Uma dos achados fantásticos deste livro foi a citação de uma série de frases encontradas em muros e cidades do mundo. Eis algumas delas:

 

“Combata a fome e a pobreza! Coma um pobre!” (de um muro em Buenos Aires)

 

“Bem-vinda classe média!” (dizer na entrada de um dos bairros mais miseráveis de Buenos Aires)

“Deixemos o pessimismo para tempos melhores”(de um muro em Bogotá)

“Basta de fatos! Queremos promessas!”

“Existe um país diferente, em algum lugar”

“Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas” (de um muro em Quito)

Estas citações me deram a idéia de criar uma seção no meu site pessoal para receber fotos de frases de cunho político ou de humor encontradas nos muros e locais públicos pelo mundo. Como não tenho viajado muito nem tenho muitos contatos, não sei se a idéia vai vingar, mas um dia começo a pô-la em prática.

 

Antes do capítulo final, “O direito ao deliro”, Galeano filosofa e filosofa bem: “A natureza se realiza em movimento e também nós, seus filhos, que somos o que somos e ao mesmo tempo somos o que fazemos para mudar o que somos. Como dizia Paulo Freire, o educador que morreu aprendendo: “Somos andando”. A verdade está na viagem, não no porto. Não há mais verdade do que a busca da verdade. Estamos condenados ao crime? Bem sabemos que os bichos humanos andamos muito dedicados a devorar o próximo e a devastar o planeta, mas também sabemos que não estaríamos aqui se nossos remotos avós do paleolítico não tivessem sabido adaptar-se à natureza, da qual faziam parte, e não tivessem sido capazes de compartilhar o que colhiam e caçavam. Viva onde viva, viva como viva, viva quando viva, cada pessoa contém muitas pessoas possíveis e é o sistema de poder, que nada tem de eterno, que a cada dia convida para entrar em cena nossos habitantes mais safados, enquanto impede que os outros cresçam e os proíbe de aparecer. Embora estejamos malfeitos, ainda não estamos terminados; e é a aventura de mudar e de mudarmos que faz com que valha a pena esta piscadela que somos na história do universo, este fugaz calorzinho entre dois gelos”.

De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso é leitura obrigatória para quem quer se localizar no mundo e perceber a importância de ter um lugar e, principalmente, ensinar isso ao seu vizinho.

Rafael Reinehr

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