Hoje pela manhã, caminhando rumo ao meu consultório, como de costume, uma cena tomou minha atenção: um jovem de seus vinte e tantos anos que, antes de sair do pátio de sua casa na Visconde de Pelotas fez o sinal da cruz, como que pedindo a bênção ao deixar o seu lar para enfrentar as vicissitudes do mundo exterior.
Tal gesto trouxe minha atenção para um fenômeno universal, um verdadeiro fato social: a fé. A fé existe em todas as raças, culturas e credos. O objeto da fé é distinto, mas ela está lá. Ateus também têm fé, nem que seja na própria capacidade criativa da Humanidade.
Que a fé move montanhas, já sabemos. Mas o que move à fé? O que nos faz decidir por este ou aquele caminho a trilhar?
Ontem à noite, me peguei gritando para minha namorada quando esta, imprudentemente, veio em direção à sala de nossa casa com uma panqueca de chocolate recém saída do forno. Em um rato, disparei o alerta:
– Cuidado Carol, o tapete! Vai cair o chocolate!
Quase instantaneamente, fui tomado de assalto pela lembrança, distante mas presente, de minha avó reclamando que eu comesse na sala, pois as migalhas dos salgadinhos iriam sujar o sofá. Era eu mesmo que estava gritando para minha namorada? Quanto de minha avó existiria naquele “eu”que gritou com a Carol? O quanto de cada revistinha do Pato Donald que devorava na minha infância tem em cada decisão que tomo hoje?
Tentamos, superficial e rudimentarmente, entender estes aspectos através do estudo da Psicologia Humana. Como qualquer Ciência Humana, não temos a premissa da exatidão, mas a das probabilidades. E assim desenvolvemos ferramentas, desenhamos cartografias, abrimos estradas, definimos escolhas.
A fé, tal como qualquer outra escolha que façamos em nossas vidas, tem um pouco de nossos avós, de nossas revistinhas e depende, em parte, dos caminhos que ousamos trilhar. Em parte porque, como já ensinava o físico russo Ilia Prigogine, no trabalho que lhe deu o Prêmio Nobel de física em 1976, a vida não é determinismo nem acaso, mas sim uma seqüência de determinismos e acasos. Caminhamos por um trecho determinado, até encontrarmos uma bifurcação. Nesta bifurcação, quem age é o acaso. Depois de feita a escolha, seguimos por um novo trecho determinado até a próxima bifurcação.
Aproveite bem este trecho da sua vida. Após a próxima bifurcação, não há sopro de como vai ser.
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