Simplicíssimo

Noite Feliz

Sentado nas escadarias da igreja, o pequeno Jesus tremia de frio… e de fome! – Já não sabia dizer há quantas horas (ou mesmo dias!) estava sem alimentar-se decentemente; apenas comendo migalhas, restos deixados em lixeiras ou pelas ruas da cidade…Ergueu a cabeça, as lágrimas escorrendo pelo rosto, e olhou para a alegria que tomava conta da praça: crianças sorrindo, brincando, acompanhadas dos pais, da família… — Era noite de Natal.“Feliz Natal!” — era a frase que ecoava por todos os cantos da cidade. E ele — pensou — quando realmente conhecera um Natal feliz? Sabia – porque lhe disseram – que havia nascido na mesma data, recebendo, por esta razão, o nome do Cristo. Teria recebido também o mesmo destino? Crucificado todos os dias… pela fome, pela miséria, pela solidão…O pai não conhecera. A mãe, alcoólatra, morrera quando ele tinha apenas três anos. Jogado por um tio em um orfanato, conhecera o inferno pelas mãos das freiras: maus-tratos, abusos…Até que, aos sete anos de idade, fugiu. E, desde então, vivia assim, nas ruas, mendigando, roubando… sobrevivendo! Que idade teria agora? Nove? Dez?… Perdera as contas… Para falar a verdade, nem saberia contar!… Sua única escola fora a vida… tudo o que sabia aprendera nas ruas…Estava ainda mergulhado nestas tristes memórias, quando, de repente, escutou os gritos vindos da praça: era a grande árvore de Natal que acendia, para a alegria da multidão. E diante daquele mundo de luzes, cores, Jesus, pela primeira vez naquele dia, esqueceu o sofrimento… e esboçou um sorriso. Até que uma voz fê-lo despertar novamente para a realidade:“Sai daí, garoto! Não vê que as pessoas querem entrar na igreja?! Não atrapalha a passagem! Vamos, sai, sai!”Voltou-se para os lados e viu o sacristão que, colérico, mandava-o sair das escadarias do templo. Resolveu não discutir — não tinha mais forças para isto. Apenas levantou-se e começou a caminhar.Os sinos badalavam a meia-noite enquanto o menino Jesus cruzava a praça…Em silêncio. Esquecido pela multidão que, eufórica, celebrava aquela noite feliz…


Nota: o texto “Noite Feliz” foi Prêmio Especial no III Concurso de Conto de Cordeiro (Rio de Janeiro 2007).

Edweine Loureiro

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