Simplicíssimo

A Ponte

Volta e meia questões concernentes à Bioética permeiam nosso dia-a-dia. E cada vez mais isso vai acontecer. Quem lembra do filme Gattaca (guanina, adenina, timina, timina, adenina, citosina, adenina) achou bastante familiar os acontecimentos dos últimos dias. Me refiro à forma com que a menina Roberta foi testada para excluir a possibilidade de Vilma, a seqüestradora do Pedrinho, ser sua mãe. Para quem está por fora ou está chegando de viagem do exterior hoje, a história é mais ou menos assim: uma senhora, há mais de vinte anos atrás, seqüestrou uma, duas ou sabe se lá quantas crianças, mas não foi descoberta. Há alguns meses, descobriu-se que um de seus filhos na verdade não o era, e sim de outra família, pois ela o havia seqüestrado ao nascer, e haviam dito a verdadeira mãe que seu filho havia morrido. Como se isso já não bastasse, agora se suspeitava que outra filha sua na realidade também poderia ter sido seqüestrada. A moça recusou-se a prestar o exame de DNA mas uma investigadora do caso sugeriu examinar a saliva que a moça deixou em uma bituca de cigarro. A saliva foi, sem o conhecimento da moça, enviada para análise e se descobriu que a mesma não é filha legítima de Vilma. Tudo bem, e aí? E aí que as implicações não somente legais, mas principalmente éticas devem ser levantadas. Uma discussão acelerada e imediata urge. O próximo passo vai ser, tão logo sejam associadas ao genoma características de personalidade ou mesmo propensão à doenças crônicas ou degenerativas, a escolha pelas características genéticas de profissionais mais aptos para essa ou aquelas áreas. Podemos também imaginar alguns extremos: você chega para se inscrever para o vestibular de Arquitetura, pois é isso que você sempre sonhou fazer e só com isso você se imagina trabalhando e envolvendo. Nesse momento é coletado seu sangue e lhe pedem que retorne no dia seguinte. No dia seguinte, você é informado de que a análise do seu código genético não indica facilidade para trabalhos que exijam noção de perspectiva, desenho e cálculos relacionados à espaço, impossibilitando sua incrição para o vestibular de arquitetura. O mesmo teste lhe diz que suas possíveis opções de inscrição são para áreas nas quais você nunca se imaginou trabalhando. Agora é pegar ou largar (e trabalhar como pedreiro). Indo ainda mais para o extremo, podemos imaginar que, ao fazer seu “teste genético de aptidão à profissão” tenha sido detectada uma propensão fortíssima à violência, associada em 82% dos casos à homicídios ou estupros. Dessa forma, naquele mesmo momento lhe é dada voz de prisão, pois probabilidades como a sua que excedem 80% levam o indivíduo compulsoriamente à “prisão profilática”. Difícil imaginar agora algo que parece tão distante, mas os grandes avanços da ciência geralmente podem ser acompanhados também por um lado maligno e com grande poder de destruição da própria sociedade, como vemos nos exemplos do raio laser (aplicação médica, em aparelhos sonoros e de comunicação, mas também como arma de guerra), da energia nuclear (fonte de energia mas também arma de destruição em massa) e agora de conhecimento do genoma e de suas implicações (poderemos saber de antemão que probabilidade cada indivíduo tem de ter determinada enfermidade e desta forma tratá-lo preventivamente de forma mais eficaz, mas também podemos usar isso para discriminá-lo). As linhas anteriores nos fazem tirar conclusões bem claras: o conhecimento, por princípio é bom, mau é o uso que fazemos ou podemos fazer dele. Me assusta termos esse conhecimento tão profundo de nossa biologia sem que antes tenhamos aprendido a viver como irmãos e filhos de uma só Mãe, a Mãe Terra. Espero que, mais uma vez, a Natureza nos guie pelo melhor caminho e nos faça trilhá-lo com serenidade e sabedoria, para que possamos ultrapassar as grandes questões bioéticas que estamos prestes a enfrentar.

Rafael Reinehr

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