A “Ciência Social” como Ciência é um tema intrigante. Vários pensadores já investigaram o assunto com opiniões muitas vezes divergentes. John Stuart Mill, por exemplo, pregava que as ciências sociais derivavam das opiniões individuais de uma dada sociedade e que, nessa sociedade, havia uma regularidade a ser descoberta. Dizia que, por mais complexa que fossem as interações entre os objetos estudados, seria possível gerar uma generalização através das uniformidades encontradas. E – dizia – mesmo que não as encontremos, isso não quer que estas não existam e que as ciências sociais não possam ser consideradas Ciência. Considerava que nas “pesquisas sociais, uma generalização aproximada é equivalente, para efeito da maior parte dos propósitos práticos, a uma generalização exata;” Sua verificação se dava posteriormente, quando os achados se confirmavam no caráter e na conduta coletiva das massas. Mill também achava que, devido ao fato de as circunstâncias históricas serem excessivamente complexas, por conta do efeito cumulativo da “influência exercida sobre cada geração pelas gerações que a precederam”, somente se poderia chegar a uma conclusão definitiva após “esperar para ver o que acontece”, para só então formular os resultados de sua observação em “leis empíricas de sociedade”, para finalmente poder correlacioná-las com as leis da natureza humana por deduções que demonstrem, então que essas leis eram esperadas como consequências das leis anteriores. Já Karl Popper criticou a visão “psicologista” de Mill, a visão de que o desenvolvimento de uma situação social em outra pode ser explicada em termos de psicologia individual. Criticou também a forma de apresentação dos achados da pesquisa social, que eram na forma de “leis empíricas da sociedade”, sendo que Popper achava que deviam ser apresentados como “tendências”. No texto de Carl Sagan (1), este defende a perspectiva de que a ciência como conhecemos é baseada no experimento, e que assim devem ser as ciências sociais. Mas como fazer experimentos com homens, com sociedades, já que estes não são átomos nem ratos de laboratório? Simples: o experimentos já estão acontecendo atoda hora! Para isso, nos dá exemplos: distribuição gratuita de camisinhas, o comunismo na China, União Soviética e Europa Oriental, privatização de prisões, os investimentos feitos pela Alemanha Ocidental e pelo Japão em ciência e tecnologia e nada em armamentos, e assim por diante, foram várias situações sociais com resultados que podemos observar e que serviram de experimentos para formação de teorias a respeito da sociedade nas quais os mesmos foram feitos. Para Nagel (2), “…o traço característico do trabalho científico é propiciar explicações sistemáticas e apropriadamente fundamentadas”. Assim, qualquer disciplina que utilizasse um método adequado para conceitualizar e responder as perguntas referentes a sua área de estudo, poderia ser considerada ciência. As ciências sociais, como nome geral que engloba uma série de disciplinas, como por exemplo a sociologia, a psicologia social, o direito, a história, a geografia humana, a filosofia, a economia, a demografia, a etnologia, a antropologia, a ciência da literatura e das artes e assim por diante, não pode ser definida como um grupo. Vejamos um exemplo: dentro da enumeração das ciências sociais, incluem-se disciplinas que pelo que vimos, somente parcialmente podem ser consideradas ciência (no sentido de ciência de observação ou ciência de experimentação), como é o caso do direito e da filosofia. O direito descreve fenômenos sociais(3): funcionamento dos órgãos de criação e de aplicação de regras jurídicas (legislador, administração, tribunais); relações concretas entre os indivíduos e os grupos em função dos textos legislativos regulamentares ou dos mecanismos contratuais, etc. É então uma ciência social. Ele, porém, analisa também, por técnicas que lhe são próprias, o conteúdo e o alcance teóricos dos textos jurídicos, seu “dever ser” em função dos princípios do direito e nào sua aplicação prática: trata-se então de uma disciplina “normativa” (que estabelece regras, normas, em lugar de descrever fatos), baseada no raciocínio dedutivo e não de uma ciência propriamente dita. A parte propriamente científica da filosofia é menor que a do direito. Quando ela tende para uma espécie de generalização dos resultados obtidos pelas diversas ciências, para uma sistematização global de saber, é de certo modo a “ciência das ciências”. Entretanto, já é difícil e aleatório formular “cosmogonias” no escalão de cada ciência particular e a generalização global é ainda mais; ela depende mais da poesia do que da ciência. Mas não podemos desconsiderar a influência da filosofia sobre o desenvolvimento da ciência, estabelecendo aproximações, sugerindo hipóteses, orientando pesquisas. Por outro lado, a filosofia do conhecimento (epistemologia) que tende a definir as condições do saber e os limites de sua validade, a descrever as técnicas do raciocínio e os mecanismos do pensamento desempenha, um pouco, o mesmo papel que os matemáticos em relação às ciências: fornecendo-lhe instrumentos de análise e de controle e modelos teóricos de pesquisa. O ponto fundamental para a compreensão da possibilidade de existência da ciência social é a compreensão de que, em todas as ciências humanas, justamente por envolverem o homem, com toda sua imprevisibilidade, ser este que, pelo menos até o momento, encontra-se além de regras deterministas conhecidas de comportamento, a possibilidade de antever qualquer acontecimento em um grupo humano não passa de uma probabilidade. Probabilidade essa que pode variar dentro de grupos humanos de mesmo tamanho em áreas diferentes, sob situações diferentes, entre culturas diferentes ou, mesmo sendo todos esses fatores iguais, variam de acordo com o período histórico em que forem acumulados, pois a variação do tempo e a historicidade não podem ser deixadas de lado. Tendo compreendido isto, podemos imediatamente compreender que uma ciência social perfeitamente compatível com os paradigmas da atividade científica como a conhecemos nas ciências naturais não é possível. Mas é possível sim a construção de uma ciência social baseada no funcionamento de mecanismos sociais (ou deixando de lado a concepção mecanicista – de um todo social) em que são levados em conta tendências de movimentos individuais, comportamentos gerais imanentes da cultura subjacente, as condições ambientais existentes e a historicidade, nunca esquecendo que esse fator – o tempo – não pode ser controlado, e que as regras que identificamos hoje, talvez possam não se repetir no futuro.
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Referências Bibliográficas
1. Sagan, Carl – Real Patriots Ask Questions – Chapter 25
2. Lambert, K.; Brittan, G. – “Explicação” – Introdução à Filosofia da Ciência – Ed. Cultrix, 1982
3. ? – A Noção de Ciência Política (texto curricular de Introdução à Ciência Política – Ciências Sociais – UFRGS)
4. Winch, Peter – “Os Estudos Sociais como Ciência” – A Idéia de Ciência Social
Este texto foi um trabalho apresentado na cadeira de “Introdução à Filosofia da Ciência” da Faculdade de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, em 5 de julho de 2001.
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