Na tentativa de conceituar a linguagem, muitas pessoas a classificam como sendo um dos meios pelos quais a consciência se comunica com o mundo. Com essa afirmação estamos cometendo um grave erro de pensar que a linguagem possa ser um instrumento, e de que temos consciência dele. Se quisermos ver a linguagem como um instrumento deveríamos conceber que ela teria um fim último e, alcançado seu objetivo, a colocaríamos de lado. Poderíamos concebê-la como, por exemplo, um martelo que ao nos auxiliar a pregar o prego na parede é guardado na caixa de ferramentas, para quando for necessário, utilizarmos novamente. Esse é um erro grave porque pressupõe que poderíamos controlar quando quiséssemos e quando não quiséssemos utilizar nossa linguagem. É como se pudéssemos guardá-la para ocasiões especiais em que precisaríamos dela. Essa visão de pensamento permite que concebamos erroneamente a linguagem como um terceiro elemento acompanhado da consciência e do signo. Permite pensarmos que a linguagem está fora da consciência e faz parte dela como um programa de computador que pode ser instalado e da mesma forma deletado. O erro está também aqui, uma vez que não podemos pensar consciência e linguagem senão apenas linguagem ou apenas consciência. A linguagem e a consciência são uma só coisa, não existem em separado. A dificuldade em pensar nelas como um só ente está no fato de que a linguagem está sempre nos ultrapassando; ela está desde sempre a nossa frente uma vez que é a linguagem que nos permite o pensamento sendo o pensamento a própria consciência. Por isso não existe só consciência ou só linguagem; mas são interdependentes uma da outra e só existem quando unificadas. Mas a linguagem não tem seu fim ao nível da consciência sendo que também nos enganamos ao pensar que temos consciência da linguagem. Um dos princípios dessa faculdade é o fato de esquecer de si mesmo, isto é, só nos damos conta da nossa linguagem quando com um movimento de reflexão sobre nossa própria consciência, o que já é demasiado difícil. Isso porque a linguagem está sempre antes da consciência por isso não pode ser entendida completamente pelo homem; deveríamos para isso poder pensar o inconsciente da linguagem. Assim, percebe-se que a linguagem é antes de tudo algo que engloba e transcende a consciência. Com isso podemos concluir que a linguagem como meio, e meio da consciência, são afirmações errôneas uma vez que a linguagem não pode ser reduzida ao equivalente de um instrumento. O que possibilitaria pensar que poderíamos ficar sem ela quando, por exemplo, dormimos. Nem tampouco pode ser considerada como fazendo parte da consciência uma vez que é ela a consciência, e ainda assim traz sempre um componente inconsciente que permite, entre outras coisas, sua veiculação.
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* Gadamer, Hans-Georg – Homem e Linguagem In:” Verdade e Método II”.
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