O mundo vive uma realidade que aos poucos vem aparecendo cada vez mais na mídia e aos olhos do cidadão. Tu já percebeste que cada vez mais as pessoas escondem-se? Pois bem, esta é a realidade perniciosa que bate todos os dias a nossa porta. Na década de 70 as pessoas saiam com a família para caminhar. Iam para a Saldanha Marinho tomar chimarrão e conversar com os amigos. Faziam questão de aparecer nas ruas para mostrar a sua liberdade de ir e vir. As pessoas ao passear cumprimentavam-se e passeavam tranqüilas, mesmo com o regime totalitarista imposto, elas ainda tinham uma certa liberdade. A liberdade, esta que me refiro, é a de poder ir e vir sem medo de ser reconhecido, ou melhor, de ser visto. Os carros que perambulam por estas bandas do século XXI tem suas janelas mais escuras e o que enxerga-se dentro deles são apenas vultos, na "sombra". Proteção? Lógico, mas não do sol. Existe uma teoria que cada vez mais se enquadra a sociedade brasileira moderna. É a chamada "Teoria das janelas quebradas" ou broken windows theory que teve ótimos resultados na terrinha do Tio Sam. Seguindo uma breve explanação de seu fundamento, ela nos conta uma história abstrata: Em um bairro um menino atira uma pedra em uma janela de uma casa abandonada. Neste bairro moram "pessoas de família", honradas e, ao qual as crianças jogam futebol na rua, tranqüilas. Que nostalgia. Destarte, o garoto quebra aquela janela. Depois de algum tempo a grama cresce, cada vez mais quebram-se janelas, a casa começa a perder a pintura e a atrair mendigos. Pessoas de má conduta rodeiam o local Torna-se sombria e com aspecto de "sujo", mal cuidado . Os moradores do bairro já não sentem-se tão seguros neste e já não deixam mais os filhos brincarem de jogar futebol na rua. Temem os estranhos. Ficam com medo dos novos indivíduos que agora habitam aquela casa e tomam as ruas. Por fim os moradores, mudam-se dali. Quase todos. Procuram outro lugar mais tranqüilo para viver. Mais "seguro", assim como era antes aquele bairro. Após alguns meses, pessoas que não se intimidam com esta situação de caos tomam o lugar dos antigos moradores. Essas pessoas socialmente não honradas, bêbados, tomam a rua, fanfarrões gritam na madrugada. Pois bem. Tornou-se um bairro de marginalizados. Logo, crimes acontecem diariamente neste bairro e a casa das janelas quebradas é, agora, um simples alojamento que representa o monumento do medo e da desordem. Tu irias morar neste lugar? Imagine-se. Pois bem, veja o seguinte, com um bairro assim, onde predomina o medo, logo espalhara o caos para outros pontos limítrofes deste bairro e por fim contaminará toda cidade. Segundo escrito pelo Promotor Daniel Sperb Rubin, "em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminalista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety (A Policia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida"(1) . Parece exagero não? Pois é, olhe pela tua janela, sim, esta que ainda não esta quebrada, e perceba que teu vizinho não sai mais de casa. Que o teu carro tem películas e que na tua porta tem enormes grades com aqueles grandes cadeados. Em algumas casas cercas elétricas, cães ferozes e ainda, apesar de tudo, pessoas armadas até os dentes. Mas para quê? Proteger-se lógico! De quem? Aí vem o fundamento deste artigo. De quem? Com o passar dos minutos nos entocamos cada vez mais dentro de nossas casas, nos protegemos do que há lá fora. Os que habitam o tal bairro correm livres enquanto nossa segurança são os tais cadeados. Vivemos em uma continua psicose ao qual nos leva a uma neurose social, ou seja, um medo constante (estresse, nervosismo), o que muda e muito, nosso comportamento social. Com isso pessoas mais agressivas, menos humanas e mais descrentes nos pactos que na revolução francesa foram criados (pactos sociais), e que aquelas pessoas da década de 70 tanto lutaram para nos dar. A liberdade! Leis que mantêm uma sociedade e um Estado Democrático de Direito, por uma lei que constitui a ação das pessoas e do Estado, a tal de Constituição, proclamada no ano de 1988. Essa deixou claras as intenções do Estado e os rumos da nova sociedade que os antigos chamavam de utopia. Essa, a intenção, era e é a liberdade. Que liberdade. O barulho e a "anarquia" que ronda muitas noites de Santa Maria traduzem o desrespeito às condições de convivência em sociedade. O descaso com a policia e com o cidadão. Contravenções penais ou crimes considerados de pequeno valor social são praticados diariamente. As janelas quebram-se diariamente, e ninguém as conserta. Adiante quebram-se outras e outras. Bêbados tomam as ruas e algazarras tornam-se constantes. O próximo passo é introduzirmos sistemas bloqueadores de som em nossas janelas a fim de impedir que o som inoportuno da anarquia entre, para podermos dormir sossegados, e assim esquecer as algazarras que rondam adentram a madrugada.
Assim, confirmando o que tenho dito, nos enclausuramos mais ainda em nossa tocas. Somos agora os presos, presidiários ou prisioneiros que cumprem o regime nas próprias casas a fim de manter os delinqüentes pro lado de fora, longe do olhar. O delinqüente fica abaixo dos holofotes e nós no escuro e escondidos. O combate ao crime é o grande alvo das discussões no âmbito social, político e jurídico, mas o que é ressaltado são os crimes de grande amplitude, de grande ameaça social e as pequeninas janelas continuam quebradas e sendo quebradas. O que necessitamos é um maior enfoque às contravenções penais ou crimes de pequena repressão do Estado, esses que aos poucos geram crimes de maior dano social. Aqui não me refiro aos crimes de bagatela, como roubo de galinhas para o próprio sustento. Falo do descaso às regras de trânsito, do desrespeito a idosos em filas de banco, do relaxamento de imposições aos pedintes e ébrios que tomam algumas avenidas das cidades. Do barulho constante durante a noite. Enfim, da perturbação ao cidadão que merece a chamada paz, sossego.
O que ocorre atualmente é que tentam cortar os galhos de uma grande árvore chamada criminalidade, mas se esquecem que suas raízes cada dia criam mais profundidade e virilidade. Cada vez mais gera-se ramos e a cada galho cortado brota-se dois ou três mais espécies e formas de crimes. Um exemplo de repressão a estes crimes de contravenção ocorreu nos Estados Unidos, na cidade de Nova York, onde os policiais intensificaram suas atenções a pequenos crimes, como pular a roleta da estação de metrô para não pagar o mesmo. As estatísticas mostraram que após algumas semanas o metro teve uma grande redução de estupros, furtos de carteiras etc. Isso por que foi intensificado o trabalho nos pequenos crimes o que intimida os delinqüentes impedindo-os de cometer crimes de maior potencial ofensivo.
Nosso código penal adota o que chamamos de "Direito Penal Mínimo". Sucintamente significa que apenas delitos que ferem os bens jurídicos de relevante valor ou necessários, como a vida, a propriedade etc. Como leciona Cezar Bitencourt, "o princípio da intervenção mínima, também conhecida como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico " e destarte cita o autor mencionado "se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais"(2). Seria o sossego público, a paz social e o direito a segurança, direitos de relevância para o direito penal? Claro que sim, e apesar da inflação legislativa onde se aplica uma pena aos casos mais ridículos da vida, pequenos incidentes como as "janelas quebradas" ficam impunes e sem a atenção merecida. Em consideração final, proponho este tema a sociedade que como eu tem a utopia dos antigos incrustada na alma. A utopia da liberdade de ir e vir sem empecilhos e a utopia da paz social, da ordem e do progresso. Proponho sair da caverna que Platão mencionava em seu discurso intitulado "A caverna", que contava a história de pessoas que viviam de costas para o fogo e para a entrada, podendo olhar apenas sombras, ate que alguém descobriu o exterior e percebeu que lá fora havia um mundo diferente do antes pensado. Devemos descobrir que vivemos em um mundo diferente das sombras, longe do escuro e perto da realidade, da liberdade.
Hoje no Brasil, convivemos com intoleráveis índices de criminalidade. O "bairro" está tomado
Tiremos as grades, os cadeados. Vamos para a luz e que os que vivem em casas abandonadas e com as "janelas quebradas" reduzam-se äs sombras. Vamos consertar os males criados e voltar ao bairro, aquele, nostálgico. Está é minha utopia. Sociedade, tiremos as películas.
"A desordem é, comprovadamente, fonte de criminalidade e deve ser rigorosamente combatida. O pensamento que se convencionou de chamar "Direito Penal Mínimo" peca ao considerar como dignos de proteção pela norma penal apenas condutas que configurem atos de violência grave exercida a pessoa, atuando portanto, apenas repressivamente, e não preventivamente em relação a criminalidade violenta. A norma penal deve proteger, também, aqueles bens cuja violação gera desordem, medo e, mais tarde, criminalidade". Daniel Sperb Rubin, Promotor de Justiça do RS.
(1) RUBIN, Daniel Sperb. Artigo "Janelas Quebradas, Tolerância zero e Criminalidade".
(2) BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 1. Ed. Saraiva, pg 11.
*Marlon William Schirrmann,
Acadêmico do curso de Direito da ULBRA Santa Maria
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