Quando quero enviar para alguém um poema ou texto de minha autoria, e ele está em minha página na internet, acho mais rápido encontrá-lo escrevendo um verso em algum buscador. Fiz isso há pouco tempo e encontrei vários poemas meus em um fotolog. As fotografias e os poemas combinaram bem, e não seria tão mau ter uma fã se ela tivesse colocado meu nome como autora.
O mesmo aconteceu com a organizadora da coluna Orkultural, Chris Herrmann. Nós duas conversamos sobre o assunto e achamos bom ter fãs internautas, e muitos autores gostam, mas ficamos chateadas porque os autores merecem e precisam do crédito pelas suas obras, já que muitos apreciadores não pedem autorização quando copiam e publicam obras alheias. Mas algo pior pode acontecer a um texto solto pela internet: tornar-se apócrifo.
Na tradição cristã, apócrifo é um texto de origem desconhecida que não faz parte da Bíblia. Os textos apócrifos falam sobre a vida de Jesus Cristo e dos apóstolos e são considerados ilegítimos, como o Evangelho de Maria Madalena.
A palavra apócrifo vem do grego apokryphos, que significa não autêntico, oculto. Para a literatura que circula na internet, o texto de autoria desconhecida, ou sem autenticidade, é apócrifo.
Recentemente, Dan Brown, com o livro “O código da Vinci”, tentou mexer com os segredos apócrifos (no sentido de ocultos) do Cristianismo, tramando um enredo em que seitas e igrejas tentam proteger as verdades sobre Jesus Cristo e Maria Madalena. Além de sofrer os ataques das igrejas e seitas mencionadas no livro, ele também foi acusado de plagiar o enredo de outro livro escrito há duas décadas. Esse caso com Dan Brown traz a repercussão sobre a lei dos direitos autorais, que indica também as formas de se “tomar emprestadas” as idéias dos outros.
A internet parece estar livre de direitos autorais, mas não está. Para maiores detalhes, há em Blocos online vários artigos e notícias sobre direitos autorais, inclusive sobre ética na internet.
As obras que circulam na internet têm autorias atribuídas muitas vezes a escritores famosos, como Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Há um texto chamado “Viver não dói” que cita Drummond como autor, e é semelhante em muitos versos ao poema “Canção”, de Emílio Moura. “Ter ou não ter namorado” é uma crônica que já recebi várias vezes como sendo de Drummond, mas é de Artur da Távola.
Muitos autores vivos, como Luis Fernando Verissimo e Arnaldo Jabor, já cansaram de falar sobre a falsidade dos textos atribuídos a eles. Em Blocos online, José Nêumanne – Jornalista, editor, comentarista, poeta e escritor, na sua coluna de 9 de fevereiro de 2006, alertou sobre um texto apócrifo que critica o programa Big Brother Brasil e cita seu nome como autor. Nêumanne diz na sua coluna que sequer assiste ao programa. Além de tudo, o apócrifo em questão está assinado por um “autor” chamado Neumani.
Na semana do Dia da Mulher, recebi de uma página para professores um texto chamado “Te desejo”, com autoria atribuída a Victor Hugo. Fiz o que muitos fazem, ao tentar atestar uma autoria, pesquisei na internet e dezenas de páginas constavam-no realmente como o autor. Nelson Rodrigues dizia, e acho que não é uma frase apócrifa, que “toda unanimidade é burra”. Não devemos acreditar em páginas que não sejam confiáveis. Acreditei em dezenas delas e repassei o texto para os amigos.
Parece incrível, mas repassei para a autora seu próprio texto com autoria falsa. E ela ainda teve a humildade de dizer em sua página que “se espalhou por aí deve ser porque teve ar de uma boa semente…” Enquanto conversávamos sobre isso, ela me passou outra semente, um arquivo em Power Point com fotos belíssimas atribuídas a Salvador Dalí, mas logo reconheci que eram de Vladimir Kush, pois já tinha tomado como empréstimo uma foto dele para meu blog – com autoria e fonte.
De uma loja virtual, recebi uma mensagem pelo Dia da Mulher sem autoria. Repassei a mensagem e outra amiga a reconheceu como presente que o próprio autor lhe deu. Disse que ele trabalha para a empresa que me enviou e me deu o endereço da página pessoal dele, onde ele assume a autoria. Pelo menos não foi plágio da empresa.
E as mensagens não param de circular. Ainda este mês recebi de um grupo de mensagens virtuais um famoso texto chamado “Instantes”, escrito há anos e publicado em todo lugar como sendo de Jorge Luis Borges. O caso foi bem falado durante muito tempo e a autoria negada, mas continuam dizendo que é de Borges.
Há poucos dias, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, alertou sobre o aumento dos casos de plágio entre os estudantes, que copiam trabalhos inteiros da internet e não citam autor ou fonte. Nessa universidade, os estudantes assinam contrato contra plágio, o que não garante que os estudantes parem de copiar e colar indiscriminadamente.
A internet se torna maior a cada dia, a cada nova linha escrita. Não dá para fiscalizar o que acontece em todas as letras e imagens. Muitos se aproveitam do acesso fácil e da impunidade para roubar o material intelectual alheio. Mas isso não faz da internet uma terra sem lei. Nosso papel, como autores e leitores, é tentar dar o devido crédito ao texto alheio, mas o crédito certo, não apócrifo ou anônimo.
Como já disse Millôr Fernandes, “copiar um autor é plágio, copiar muitos autores é pesquisa”. Aliás, se alguém ficar sabendo que essa frase não é dele, por favor me avise.
Solange Firmino
* Depois de escrever esse texto, soube que há outro autor "brigando" pela autoria do texto atribuído a Victor Hugo.
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