As cartas foram empilhadas sobre a mesa. Umas trinta. No espaço do remetente o nome dela.
Margarita Alma Centellos. Calle Buena Vida, 1344. Santiago. Chile.
Quem seria a mulher? Que conteúdo trariam as cartas? Perguntas que atormentaram o advogado que recém havia mudado para o apartamento no centro de Vilhena.
Ninguém tinha ocupado o prédio anteriormente. A prefeitura mal havia liberado o alvará para funcionamento das lojas há pouco mais de um mês.
Rogério foi um dos primeiros inquilinos. Montara o escritório na esperança de conquistar o Cone Sul, um dos mais concorridos locais em fase de desenvolvimento.
Ainda na primeira semana chegaram as cartas. Duas, três por dia. Agora faziam volume sobre a mesa.
Procurou o síndico. Também o proprietário do prédio. Ninguém conhecia Margarita. Era um erro com certeza. Uma dessas coincidências inexplicáveis.
Assim pensava. Pensava perturbado pelo olor da carta. Perfume de jasmim. Coisa de gente refinada.
Enquanto absorvia o aroma do perfume que embebia o envelope preparava algumas petições. Fazia sem muita concentração.
Logo percebeu que dedilhou errado o texto. Começou a fazer petições endereçadas a Margarita. Amassou os papéis, rosnando contra a falta de concentração.
Margarita também o perturbou na hora do lanche. Pediu a bebida na padaria da esquina. O atendente achou que era outra coisa e disse que a zona do meretrício era do outro lado da cidade.
Rogério riu da explicação do homem, que indicou uma paraguaia de mais de 60 anos num dos prostíbulos, mas avisou que a mulher já estava pouco atraente.
Deixou a panificadora em busca de uma livraria. Encontrou um livro de Pablo Neruda na prateleira. Comprou.
Foi levado pelo texto, carregado a Santiago. Viu uma mulher correndo de policiais montados a cavalo, reprimindo uma passeata estudantil. Foi ferida por uma bala, sumindo no ar.
Voltou ao escritório. Procurou as cartas. Em vão. No lugar delas uma gota de sangue e o ar impregnado de jasmim.
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