“As boas mulheres da China” é um livro que nasceu do interesse da jornalista e radialista Xinran em conhecer a situação social, política e emocional das mulheres de seu país. Sua popularidade, fruto do programa “Palavras na brisa noturna”, permitiu o acesso a confissões de mães, esposas, amantes e filhas, exemplos de força e determinação para superar traumas, humilhações, estupros e mortes.
Jin Shuai, estudante universitária que se encontra com Xinran num café para uma conversa, mostra diversas faces da realidade das chinesas e abre questionamentos profundos, colocando a escritora em uma difícil missão: descobrir quais os sonhos dessas mulheres, sua filosofia e sua perspectiva de felicidade. E a pergunta mais difícil: o que faz uma boa mulher? Para a “secretária particular”, que se diz independente e desiludida com o mundo, os homens querem uma esposa que seja a perfeita combinação do ditado “uma dama na sociedade e uma prostituta na cama”; comportamento este impossível para uma moça criada em um sistema tão repressivo.
A Revolução Cultural – que devastou o país e reverteu a moral dos habitantes – também mergulhou a nação em uma situação precária, sem recursos sequer de comunicação interna. As notícias, mesmo as más, corriam vagarosamente da população ao estado. Milhares de pessoas foram silenciosamente torturadas e mortas por oposição às idéias do Partido. As vítimas de tragédias como o terremoto em Tangshan poderiam ter sido mais rapidamente socorridas. O sofrimento das mães que hoje tentam retomar uma vida normal cuidando do orfanato é infinito e as lembranças permanecerão para sempre em suas mentes, mas certamente há medidas que aliviariam tamanha dor. A quem cabe ajudá-las? O Estado, a mídia ou a sociedade? Na verdade, todo esse aparato unificado ainda não seria o suficiente.
A brutalidade e selvageria de dois homens tiraram a sanidade mental e causou o suicídio de Xiao Ying, filha da diretora do orfanato de Tangsham. Do mesmo modo, Shilin, filha de um general do Kuomitang, enlouqueceu após ser molestada repetidamente por camponeses, e acabou em um hospital para doentes mentais. Histórias como essas pesam o livro, mas não os torna um velório; a linguagem simples e leve dá o equilíbrio entre a emoção e a racionalidade. O relato é extremamente rico e o discurso fluente gera aos poucos uma intimidade com a autora, envolvendo o leitor de uma forma gostosa e aumentando o impacto do texto.
“É característica do chinês moderno ter uma família sem sentimentos ou sentimentos sem uma família”. Pensando bem, essa frase não se aplica somente aos orientais; atualmente, a individualidade extremada e a busca incessante pelo prazer levam a esse caminho. As emoções estão sendo menosprezadas, e demonstrá-las ainda é sinônimo de fraqueza para a maioria da população.
Provocando uma reflexão profunda sobre temas como homossexualidade e pobreza extrema na sociedade chinesa, o programa de Xinran é um exemplo do poder do rádio sobre os ouvintes. Não se trata apenas de informação factual ou puro entretenimento, mas a companhia, a confiança e a valorização do profissional que dá a voz ao produto de toda uma equipe.
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