Simplicíssimo

Felizes para sempre

“Enquanto eu não acho a pessoa certa, me divirto com as erradas”. Ela estava cansada disso. Não queria mais amores de empréstimo, paixões de uma noite, seduções sucessivas. Estava sozinha, desde que acabou um namoro antigo. Sozinha de uma forma relativa, já que havia os empréstimos, etc, etc. Sozinha de uma forma definitiva, já que há muito tempo não podia dizer “meu amor”. Ela queria alguém pra dividir o prato grande, que era obrigada a comer com gula, esforçando-se pra evitar ao máximo o desperdício. Mas as últimas insinuações de amor que teve foram mesmo insinuações. Alguns desencontros e muita vontade extraviada. Ela acreditava, queria, estava pronta. Sempre estivera. Adorava apaixonar-se. Uma vez, perdeu o fôlego de tanto querer um homem. Pelos beijos que trocavam e pela forma como ele a rodava nos braços, qualquer um diria que eles viveriam uma história de amor. E viveram. Uma história breve. Ela seguia. Decepção curtida, já estava disposta a mais uma aventura. As aventuras nem sempre eram entusiasmadas. Muitas vezes, eram apenas concebidas pra matar a fome do corpo. Algumas ainda lhe enchiam os olhos de encanto, mas passavam, findo um efeito inebriante qualquer. Perder o fôlego não é pra qualquer um. Nem por qualquer um. Todos lhe pediam um par, e quando ela explicava que, simplesmente, não acontecia, mostravam-se surpresos. De fato, apesar de sua íntima insegurança, ela também não entendia. E sabia que se fazia notar. Elogiavam o seu sorriso, o seu charme, a sua alegria. Dançando, era uma graça. Outro dia, numa roda embalada por sambas nostálgicos, ela foi com uma flor nos cabelos. Era leve e, a cada novo copo de cerveja, se embriagava de felicidade. Além da elegância marota, tinha outros atributos. A simpatia que estampava nos olhos vinha do fundo de sua alma. Era uma simpatia pela vida, pelas possibilidades e por todos que passavam por ela. Conversava com certa timidez, mas acolhia com gosto convicções e diferenças. Era uma mulher com jeito de menina. E desejos de mulher. Desejos que, nos momentos de intimidade, não subestimava. Não havia nada de errado com ela. Já tinha ouvido isso incontáveis vezes: das amigas, daqueles que a deixaram e de si mesma, como um mantra. Mas, naquele dia, pensando na vulgaridade sentimental em que se consolava, nas pessoas erradas que não ficavam e na certa que não vinha, resolveu que estava cansada. E, então, decidiu que não iria mais se entregar a satisfações fugazes. Faria alguma coisa. Como se jamais houvesse acreditado em destino, como se tudo dependesse exclusivamente de sua vontade, entendeu que chegara a hora. Foi para o banho e, enquanto a água muito quente caía sobre o seu corpo delgado, pensava na roupa … a roupa com que encontraria o seu grande amor. Enxugando-se com a toalha velha e macia, agia como em um ritual. Pôs pra tocar uma música do Chico, uma que dizia “por favor não evites, meu amor, meus convites, minha dor, meus apelos”. Penteou os cabelos molhados e abriu a janela, para que o vento os secasse. Antes de vestir a roupa, sorriu nua para o espelho, admirando aquilo de que o seu grande amor desfrutaria. Pegou uma taça de vinho, pois não podia partir para evento tão importante, sem uma inspiração divina.Vestiu uma saia de rendas e uma blusa de alças. O colo continuaria nu, aliás, justamente o colo que ela vivia escondendo. Não se perfumou, pois queria que o seu grande amor conhecesse o seu cheiro de verdade. O seu cheiro de menina-mulher. Também não pintou os lábios, nem os olhos. Os cabelos não foram presos. Ficariam revoltos, desalinhados, exatamente como ele, o seu grande amor, os encontraria no momento já quase exaustivo do gozo e na manhã de cada dia. Pegou o livro do Drummond e saiu em direção ao parque. Teria escolhido a praia, se houvesse uma perto. Sentou-se na grama, sentiu o calorzinho gostoso do sol, abriu o livro e, sem qualquer ansiedade, esperou. Dizem que o encontro foi esplêndido. Chegando, ele a reconheceu logo. E, naquele dia mesmo, eles dançaram muitos sambas antigos. Tomaram um litro inteiro de cachaça mineira e, depois de um curto e profundo sono, se amaram a noite toda. O livro do poeta ficou esquecido na grama. Foram felizes para sempre.

Luciana Arroyo Bou Anni

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