Simplicíssimo

Orelhão

Estava frio naquela noite, muito frio. Não lembro quando foi a última vez em que tive de usar duas blusas ao mesmo tempo. Era um domingo, por volta das onze da noite. Estava próximo da minha casa quando ouvi  um telefone público tocar. Isso já havia acontecido antes, mas de dia, com pessoas olhando, nunca tive coragem de atender.  Não sei o porquê de atender  a um telefone que toca no meio da rua, nem o porquê do medo, mas havia algo que me chamava aquela noite, e eu não iria dormir direito se não o fizesse.

— Alô?

— Conseguiu o que queríamos?

— Como é?

— A chave, o grande tesouro da humanidade, a salvação! O achado, a descoberta!  O Tótem do poder, nossa maior riqueza! Ah! Eu nem acredito que enfim conseguimos rapaz! Coloque o cartão e aperte o 5 para se teletransportar pra cá de novo.

“We are the Prince of the temple of Sirynx…”

Baixei o volume do walkman para ouvir melhor.

— Errr… desculpe?

— O quê? Não conseguiu?! Mas… como pôde? Vou ter que eliminá-lo. Está no regulamento.  Uma tarefa tão simples, como pôde falhar?! Desculpe amigo. Não! É você quem nos deve desculpas!

— Ah! Não!

Não,  eu não era agente secreto nem nada, não trabalhava pro governo nem pra sociedades estelares do futuro. Mas eu andava com frio e chegara enfim  no telefone. Ainda tocava. Atendi.

— Alô?

— Oi, é quem?

— Você quer falar com quem?

— O Flávio tá aí?

— Só um pouquinho.

Era uma voz masulina. Talvez tivesse ligado errado. Talvez alguém que não fosse eu devesse estar ali. O certo é que não havia mais ninguém na rua e se eu tentasse disfarçar a voz ele não iria cair.

 — Ele tá ocupado agora, quer deixar recado?

— Ele pode me ligar mais tarde? Vou deixar o meu número.

— Tudo bem.

— (…).

— (…).

— Quer sair comigo hoje?

— O quê?

— Quer sair comigo?

— Não.

                E desligou.

                Talvez ele fosse veado. Ou se deu conta que discou errado e falou uma merda qualquer pra desconversar. O certo é que eu não puxei assunto algum. Se eu estivesse em casa e alguém telefonasse enganado eu até levaria a conversa adiante,  mas a noite, num telefone que toca na rua, na neblina… não, acho que não.

                É isso que me intriga nos filmes de terror. Os caras saem dos carros à noite, andam sózinho no mato, dão carona para estranhos… coisas que, pelo menos eu, jamais faria. De repente algo tocou meu ombro: Era um dos fones que caia. Devolvi o telefone ao gancho e me dirigi para casa. Olhei para trás: ninguém me seguia. Dobrei a esquina e nada nada de anormal me surpreendeu. Cheguei em casa, tropecei no gato. Fechei as cortinas para o caso de haver algum assassino  do lado de fora. Sim, nessas horas cortinas e cobertores são nossa única proteção. Olhei para o telefone, que não tocou. Não, Ninguém me telefonou.  Ninguém, me seguiu. Não, nada. Não aconteceu absolutmente nada, eu simplesmente atendi  um telefone e fui pra casa dormir. E era assim que deveriam acabar todos os domingo: tranqüilos, sem assassinos nem missões secretas. Calmos, normais. Não salvei o mundo, não fui decapitado. No fundo eu até torci para que algo novo acontecesse, mesmo que fosse um perseguição por um serial-killer louco. Mas não, nem isso. O assassino do orelhão? Isso é vida real, e na vida real a gente chega em casae vai dormir dormir. Chato, não?


 

Rodrigo D.

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