Eu já tinha sentido vergonha de ser brasileiro aqui nos Estados Unidos anteriormente, mas não lembro exatamente quando e porquê. Provavelmente tenha sido porque alguém fez comentários negativos à respeito de algum dos muitos problemas brasileiros. Acho que me perguntaram se todos os juízes eram corruptos no Brasil, ou sobre a Amazônia era terra de ninguém, ou sobre criança de rua; algo assim.
O que não falta no Brasil são problemas e arrisco dizer que alguns problemas não têm solução, pois um problema é resultado de outro e assim por diante. Eles são cumulativos e um é produto do outro. É um nepotismo criminal sem família.
São seqüestros, atentados, assaltos, estupros, assassinatos, aumentos de impostos e tarifas públicas, juros altos, competitividade louca, produtos falsificados, prostituição nacional e internacional, mercados “fabricados”… Tudo se mistura numa sensação crescente de que ser idôneo é aceitar ser lesado e violentado, resignadamente; enquanto ser marginal, de qualquer nível social, é sentir-se livre e seguro para praticar seus crimes, mesmo quando recolhido a penitenciária.
No entanto, esta terrível sensação eu senti novamente esta manhã bem cedo. Após fazer a clipagem das notícias da universidade que trabalho (www.fiu.edu), tirei os jornais do saco plástico e como sempre, separo os cadernos para deixá-los organizados, facilitando a procura de algum artigo. De repente dei de cara com a manchete: “El drama de los Halcones en Brasil”, e a foto estampada no jornal em espanhol de um cara com a faca artesanal ameaçada ser fincada no pescoço de um refém já sangrando o rosto.
O que mais me estranha é que somente a Nicarágua com os integrantes da gang denominados “Mara Salvatrucha ou os Maras” com suas tatuagens e caras de mau é que conseguem ser mais assustadores e virar manchetes no jornal impresso direcionado ao público latino e hispânico daqui. Mas esta foto ganhou pelo seu teor carregado de ódio. Na foto, mais precisamente no chão, não sei se são dois cadáveres ou dois corpos enrolados em colchões e atados com cordões feitos de tecidos, pois olhando a foto não da para descrever. O rosto do bandido não aparece, mas a cara do refém e tão expressiva que parece que você vê as palavras saindo da boca dele pedindo ajuda. A que ponto o Brasil chegou?!
Na mesma matéria, o rapper MV Bill dá uma entrevista sobre seu documentário “Falcão – Os meninos do tráfico”. MV Bill que apareceu no Faustão e trouxe o único sobrevivente dos 17 garotos mostrados no seu filme. Ele só não foi morto porque estava preso e seu sonho é de poder um dia tornar-se um palhaço; porém achei muito apelativo isto, mas acabou comovendo a população brasileira naquele domingo, batendo recorde de audiência.
E ontem à tarde vi imagens pela TV de um dos presídios onde está tendo rebelião. Geralmente se lê coisas do Brasil nos jornais – 95% são notícias negativas menos o New York Times, que geralmente coloca um assunto positivo e interessante – mas ver as TVs americanas mostrando as imagens de manadas de marginais ensandecidos no meio da tarde… Foi forte.
Não vou dizer que o sistema penitenciário brasileiro precisa ser reformado. Também não vou dizer que os presídios são escolas universitárias de criminosos, de gente sem cabeça e coisa do demônio, de que os policiais são corruptos, os promotores são parciais, que os juízes não são flores que se cheiram. Sim, não preciso falar disto. Disto vocês todos estão carecas de saber.
Mas o que todos gostariam de saber é de como os celulares entram nos presídios, como fazem facas com pedaços de ferros, como as drogas entram, como os agentes penitenciários são comprados, enfim, como? Como que os diretores dos presídios deixam isto acontecer? Como o Maluf tinha tantas regalias na cadeia? Como deixaram matar o cara que mais sabia sobre os escândalos do Collor? E a freira americana que lutava contra o desmatamento da Amazônia? Como os responsáveis pelo mensalão estão soltos? Como? Isto sim todos gostaria de saber como acontece. Nada contra o Lula? Me acorde que isto é um pesadelo. Isto é motivo de impeachment!
Ou até quando? Quando é que vai aparecer alguém de ficha limpa, uma pessoa culta e incorruptível para realmente poder ser um líder no Brasil? “Até quando esperar…” já dizia a banda Plebe Rude em 1996.
A burocracia, a morosidade. A conivência e a incompetência dos responsáveis pela manutenção da lei e da ordem estão abrindo espaço para que o crime organizado se espalhe, intimide e domine com a velocidade de um cancro. Tudo isto perante os olhos atônitos e impotentes da sociedade, que progressivamente sitiada, está desprotegida e privada de seus direitos civis mais elementares. O que deveria ser feito é o povo sair nas ruas fazendo protestos.
O povo brasileiro é passível a tal ponto, que somente em caso de emergência é que todos apertariam o botão de saída. Saída para onde? Somente para fora do país e não é por menos que durante a época da novela América, foi feita a maior apreensão de brasileiros na borda do México de uma só vez: 280 pessoas. Então, com certeza as embaixadas americanas no Brasil reclamaram para a TV Globo, no sentido de parar de mostrar que a vida aqui é um maravilha e este país é um paraíso.
Daí a Globo mudou. Por conseguinte, eles começaram a mostrar que a vida aqui é dura, que a personagem “Sol” sofria, que não era fácil conseguir legalidade, a mostrar os agentes imigratórios dando batidas inesperadas, sacanagens e denúncias da personagem americana ciumenta May , que a Sol tinha que limpar vidros e fazer faxina, ou que sua chefe reclamava que ela estava falando no celular. Foi então que eles inverteram as coisas e do paraíso passou a ser um atordoamento a vida da Sol.
O governo aqui, dá ao aluno a oportunidade estudar de graça através de diversos programas de incentivo aos esportes, música e artes em geral. As escolas são limpas, os professores bem remunerados – em torno de $ 6.500 ao mês – a merenda escolar é saudável e existem ônibus escolares gratuitos para todos os alunos que moram nas comunidades em volta de cada escola. Já imaginaram se estes criminosos tivessem tido tudo isto? Tenho certeza de que eles não seriam bandidos e teriam uma profissão decente hoje em dia. Mas não é somente a falta de acesso a isto, é toda uma mentalidade que tem que ser mudada. Aquela mensagem do jogador de futebol Gérson nos anos 70 na Copa: “É, você tem que levar vantagem em tudo”, tem que ser definitivamente esquecida.
Portanto na novela, eles estavam tentando fazer com que as pessoas vissem que era ruim ficar ilegal aqui, eles mostraram o oposto, a novela somente atraiu mais ilegais para dentro dos EUA. Aliás a diretora cometeu erros cruciais, como se aqui estivesse cheio de pedófilos, porém os casos de pedofilia no Brasil não são denunciados e existem pais fazem sexo com os filhos… É um paradoxo! Mas o pior foi dizer que nos EUA a criança na escola tem direito a um abraço por dia e pode escolher o horário – que é isso – apenas mais uma mentira descarada.
No entanto, se as cadeias no Brasil realmente fossem escolas de aprendizagem, ou se elas somente fizessem as pessoas refletirem pelo ato ruim que cometeram, elas funcionariam e seriam além do castigo para o criminosos, uma maneira de ele se reabilitar socialmente. Mas é exatamente o contrário. Lá no presídio, o desgosto pela vida fica maior, ele só aprende coisas ruins, o estigma de detento fica impregnado na sua mente pelo resto de sua vida, e como resultado, sua auto-estima que sempre foi baixa, desaparece. Enfim, só coisas ruins.
Para quem não sabe, o Brasil botou na prisão um dos melhores jogadores de futebol de todos os tempos, o Barbosa – há um curta-metragem sobre ele e a derrota sobre o Uruguai na Copa de 50 – foi condenado a cadeia perpétua, sendo a maior condenação do século XX.
Queria eu, que o Brasil tivesse furacões ou Tsunamis, que causariam danos enormes, porém eles passariam e tudo ficaria normalmente em paz. E mesmo deixando cicatrizes, seria possível fazer uma “plástica” na cidade e em poucos anos tudo estaria no mesmo como o que está acontecendo em New Orleans agora.
Mas com a criminalidade desta maneira, a coisa é assustadora, pois isto é um sinal de que os bandidos, hoje, teriam condições de tomar o poder. Já imaginou se eles tivessem organizado um movimento maior, com maior abrangência e com maior números de criminosos envolvidos? Teria sido um caos no Brasil. E imaginem se eles continuassem fazendo isto deixando a população em pânico. Conseqüentemente, isto foi somente mais um aviso.
Enquanto os governantes, políticos, empresários, e pessoas do “bem” não derem exemplos, nós continuaremos vendo este tipo de tragédia acontecendo mais freqüentemente, o que realmente mais uma vez sujou a imagem do nosso “querido” Brasil.
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