Simplicíssimo

O barbeiro (I)

Sempre foi meu sonho ser barbeiro. Em pleno século vinte e um, globalização, Internet, wi-fi, e o mais a quatro. Eu sei também sei que o barbeiro de hoje em dia, assim como o alfaiate, está virando peça de museu. Nunca me perguntei se pesando os prós e subtraindo os contras não ficaria com um número negativo. Afinal, eu queria mesmo ser um barbeiro. O barbeiro só tem duas obrigações: cuidar para não cortar o pescoço do cliente e estar por dentro dos acontecimentos.

Quanto à primeira parte da tarefa, tudo certo: laranjas, melões e melancias haviam sido magnificamente barbeados sem um arranhão sequer. Já tinha até pensado no apelido que me dariam: “navalha de veludo”. O navalha de veludo, pela suavidade com que a lâmina faria a barba. Quanto à segunda parte, nem mesmo jornais ou noticiários eu precisaria acompanhar. A Internet supria a necessidade de me manter atualizado.

Tudo decidido, restavam ainda dois grandes empecilhos a serem sanados. O ponto e a clientela. Sim, já tinha quebrado a cuca para resolver esses problemas. Locais como shopping-centers não são amistosos a este tipo de atividade. Já ouvi falar de vários que tentaram e, sem distinção, falharam. O tipo de público que o local recebe é dessa nova safra, que quer tudo para ontem. Se houvesse um “fast haircut”, certamente faria sucesso. Já imaginou, o cara chegando de carro, encaixando numa espécie de trilho e, enquanto o sistema lentamente vai levando o automóvel, um “cabeleireiro expresso” faz todo o serviço, ali mesmo pela janela do carro?

Além disso, os shoppings tem um outro problema que para mim era insolúvel até então: o alto custo do aluguel do espaço. Para um jovem recém-formado em matemática, desempregado, não haviam chances aritméticas, probabilísticas, reais ou irreais de partir por este caminho. Afinal, sobrevivia nesses dias com uma módica herança deixada por papai, falecido no ano anterior. Antes que me perguntem, mamãe nos deixou no exato dia em que nasci, em decorrência de uma hemorragia que se seguiu ao meu parto.

Como alternativa, sobrava alugar uma sala ou pequena casa na periferia, e me mudar para lá. O pequeno apartamento no centro que dividia com meu pai até agora tinha sido a melhor opção para um jovem universitário. Do centro, ônibus para qualquer lugar da cidade. Entretanto, uma coisa era certa: um barbeiro desconhecido ia criar teias de aranha em sua nova barbearia de periferia. Nos bairros afastados do centro, as relações humanas ainda funcionam quase como no interior. Todos se conhecem pelo nome e os relacionamentos se dão na base da confiança. Sem nenhuma referência, iria levar meses ou até anos para me estabelecer. Isso não seria problema se minhas finanças não estivessem com os dias – poucas semanas, na melhor das hipóteses – contados.

Waldemar Nnakesol

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