– Eu sei, eu sei que errei. Admito. Mas fazer o quê? Todos nós erramos. Afinal, somos humanos. Tudo bem, você pode dizer que eu passo dos limites e não faço nada certo. Que não aprendo com meus erros. Não vou negar isso. Mas você precisa me entender. Coloque-se no meu lugar. Eu sou um cara que tem vinte e cinco anos de idade. Não tenho amigos, não tenho namorada. Sou um homem só. Talvez isso bastasse para justificar meus erros, mas ainda tem mais. Papai e mamãe morreram de forma estranha – aliás, ainda não acredito muito nessa história de acidente. Quer dizer, foi e não foi acidente. Você lembra, não? Estavam viajando de carro. Segundo a perícia fecharam meu pai. Ele perdeu o controle do carro e pronto. Morreram. Não sei… Mamãe tinha um instinto suicida, e papai, um instinto assassino. Isso mesmo. Eu já contei isso a você. Você estava em casa quando mamãe tentou se matar. Tomou dezenas de comprimidos de diversos tipos. Você não lembra, mas eu sim. Antes ela já havia tentado cortar os pulsos umas duas vezes. Mamãe fazia análise. Papai pagava. Ele tentou matar mamãe duas ou três vezes quando eu era criança. Lembro porque se não fosse eu, ele tinha conseguido. Eu salvei a vida de mamãe. Eu sou um herói. Eu imagino o que deve ter acontecido naquele carro: mamãe tentou assustar papai, e começou a querer puxar o volante. Claro que era só fingimento, porque ela já não tinha mais coragem nem vontade de se matar. Daí papai resolveu dar o troco, e começou a fazer zigue-zague na pista, como que querendo bater em algum carro que vinha em sentido contrário. Isso depois de acertar um belo tapa em mamãe, o que a fez ficar quietinha no banco. Nessa brincadeira toda, ele realmente perdeu o controle do carro. E o resto nós já sabemos. Pois é. Você acha que eu pareço com eles? Dizem que sou a cara de papai. E que tenho o temperamento de mamãe. E algumas coisas de papai também. Não sei… Nunca reparei nisso. Eu nunca reparei muito neles. Quer dizer, às vezes os observava, mas sem muita atenção. O que você acha? Hum? Fala algo! Vou te confessar uma coisa: quando você nasceu, fiquei com muitos ciúmes. É. Mas depois de um tempo passou. Ter uma irmã não é de todo ruim. Eu tinha nove anos quando você nasceu. Você deu sorte que não viu muita coisa. Eu que vivi os piores momentos aqui dentro de casa. Mas já chega. Acabou o sofrimento. Eu vou te proteger. E agora vou te dar um banho. Você está fedendo. Tenho que me lavar também. Acho que essas manchas não saem mais da roupa. O que você acha? Ein? Fala! Será que mancha de sangue sai?
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