1. Onde, segundo o autor, se deve buscar as origens do Estado Moderno e qual sua novidade?
Segundo o autor, no século XI na Inglaterra conseguiu-se criar uma forte organização política no meio da hierarquia feudal, mas somente na primeira metade do século XIII, na Sicília, Frederico II centralizou o exército, a justiça, a polícia e a administração financeira de modo burocrático, retirando esses aspectos dos domínios do sistema feudal. Assim, as origens do Estado Moderno devem ser procuradas nas cidades-República da Itália setentrional na época da Renascença. A sua novidade era a mudança de uma forma de organização chamada de poliarquia, onde o poder era dividido entre o rei, os senhores feudais, o clero, os cavaleiros e os burgueses, com uma coerência frouxa e intermitente, para uma forma – o Estado – onde existiria uma unidade de poder contínua e fortemente organizada e centralizada, com um exército permanente, uma hierarquia de funcionários, uma ordem jurídica unitária que impõe aos súditos um dever de obediência de caráter geral.
2. Descrever a “evolução” do Estado Moderno e identificar sua eficácia.
Na Idade Média, o senhor feudal era o proprietário das terras que eram repassadas de forma hereditária e, para defendê-las ocasionalmente era obrigado a “contratar” um exército, composto por seus vassalos e por mercenários a quem pagava um determinado valor. O poder era partido entre o senhor feudal, o rei (ou os reis), os cavaleiros, o clero e, mais para o fim da Idade Média, também entre a burguesia. Não havia qualquer espécie de legislação que regulasse questões econômicas ou de propriedades de terra, que ordenasse hierarquias ou estabelecesse uma ordem de poder e definisse regras a serem seguidas pelos diferentes estamentos, nome dado então para o que hoje chamamos de classes. O senhor feudal era, então, comandante civil e militar da “sua nação”. Ele exercia o poder sobre os vassalos e subordinados de classes inferiores baseado em uma relação de lealdade com este, que muitas vezes era carente. Assim, o poder do senhor feudal se apoiava no fato deste ser o proprietário de um grande território, faltando vínculos ético-políticos na relação com seus subordinados. Na evolução para o Estado Moderno, no aspecto organizador, os meios reais de autoridade e administração, que antes eram de domínio privado, agora se transformassem em propriedade pública em que o poder de mando que vinha sendo exercido como um direito do indivíduo fosse exortado em benefício do príncipe absoluto inicialmente e depois do Estado. Com a criação de um exército mercenário permanente, cuja existência dependia do pagamento do soldo, o senhor se torna independente da lealdade de seus feudatários, estabelecendo a unidade de poder do Estado do ponto de vista militar. As despesas da guerra obrigavam uma reorganização das finanças e portanto, gerou uma transformação burocrática na administração das finanças. Da mesma forma, com o surgimento de avanços técnicos e culturais, o surgimento da justiça como instituição, obrigou o Estado a passar a gerir esses aspectos da realidade social de então, para evitar com que caísse em uma decadência inevitável. Com a divisão do trabalho, proporcionou-se o aperfeiçoamento da técnica administrativa, apertando-se as amarras dos controles de contabilidade e do poder do executivo. Graças à nova hierarquia dos funcionários toda essa recente organização pode ser estendida para todo o território e abranger todos os habitantes do mesmo e assegurar assim a universalização, unificação e centralização de todo trabalho relevante para o Estado (agora estabelecido). Ao lado de tudo isso, e de forma fundamental para o estabelecimento definitivo do Estado Moderno encontra-se o fato de que o príncipe, passando por alto todos os privilégios, tenha obrigado, nas assembléias, as corporações estamentais, já muito debilitadas desde o século XV, a dar sua aprovaçào ao estabelecimento de impostos gerais e aplicáveis a todos os súditos, sem levar em conta o seu nascimento e o estamento a que pertencessem. Finalmente, em meados do século XVI, os príncipes já conseguem emancipar por completo a base econômica do poder estatal, estabelecendo impostos sem contar com a aprovação dos estamentos. Como disse Dahlmann sobre a importância deste momento econômico no nascimento do Estado Moderno: “O que a vida separa em nós trataram de uni-lo os impostos na segunda metade da Idade Média; neles vai implícita a idéia de que, inclusive em épocas de paz, fazemos parte de um grande ente comum que a todos interessa e que nos impõe sacrifícios.”
3. Qual a relação entre Estado e Direito?
Como citado no texto: “O Estado só podia tornar-se independente como unidade de ação militar, econômica e política sob a forma de uma independência como unidade de decisão jurídica universal”. Na Idade Média, a desagregação jurídica causada pelas peculiaridades regionais de usos e costumes, geralmente discordantes perpetuava a situação vigente. Com a unificação geral, para todo o território (a partir do centro) de toda a atividade relevante para o Estado (até então incipiente), se torna possível a redação do que é chamado jus certum, um sistema de regras unitário, fechado e escrito, válido para todo o território do Estado, onde todas as regras particulares passíveis sejam ordenadas – segundo critérios políticos, econômicos e jurídicos – sistematicamente na unidade do todo. Também na regulação da hierarquia de funcionários e na manutenção de uma economia capitalista crescente, tanto do ponto de vista do dinheiro privado quanto do aspecto administrativo, a necessidade de uma ordenação jurídica racional, planificada e sistematizada se torna necessária. Finalmente, a codificação disposta pelo príncipe, a partir do Direito Romano, e a burocratização da função de aplicar e executar o direito acabaram com o até então vigente “direito do mais forte” e com o “direito do desafio”, tornando possível a concentração do exercício legítimo do poder físico no Estado, característica essa típica do Estado Moderno. Assim, a relação entre Estado e Direito se resume no fato de que este é uma organização normativa social estabelecida e garantida por aquele. Há entretanto aqueles que consideram o Estado como “um poder de vontade não sujeito a normas” e tenta tirá-lo do caminho que conduz ao direito, assim como há quem afirma que o direito é um “dever ser puramente ideal, livre de todo poder real” e mesmo assim tente associá-lo com a idéia de Estado. Nessa visão dual, a realidade social aparecerá como partes sem vinculação possível: uma parte idealizada, do dever ser e uma parte caótica, composta por uma população movida por forças naturais que determinam o ser. Isso é incoerente, tendo em vista que todo ser humano com seu ser individual está inserido, quer queira ou não, em uma realidade física da qual ele é apenas mais um componente e, agora por ordenações não geradas pelo seu ser mas pelo dever ser da vontade humana como um todo, ele deve então se submeter a essa ordem, fazendo então parte do Estado estabelecido (ou escolhendo viver ao lado da situação vigente [vide punks, anarquistas…]). Dessa forma, só conseguimos entender esse dilema entre o Estado e o Direito quando consideramos o dever ser jurídico como um objeto da vontade, do querer humano, mesmo passando a ser, após sua criação pelo homem apenas uma palavra, um escrito ou uma imagem. Portanto, deve-se conceber o Direito como a condição necessária ao Estado e, da mesma forma, o Estado como necessária condição para o Direito.
4. Qual a “tensão” que a separação entre economia e política acarreta para as modernas democracias?
Até o século XIX o poder político e o poder econômico estavam sempre nas mesmas mãos. Durante toda Idade Média e no começo da Idade Moderna, as classes proprietárias da terra e a burguesia urbana dona do capital tinham também o comando político. Através do absolutismo, e por meio da política mercantilista, o Estado tornou-se a mais forte entidade econômica capitalista e monopolizou os meios de dominação política. Isso só veio a ser novamente questionado bem recentemente, quando o enorme crescimento dos poderes econômicos privados (como vemos hoje nestas Multi e Transnacionais) passou a ameaçar o poder do Estado. A força do capital, cada vez mais concentrado na mão de poucos, acaba por trazer consigo a oportunidade de “manipulação política”, pois é evidente que o poder político que detem os dirigentes da economia não é tão somente igual à força de seus votos. O poder do capital lhes permite influenciar a opinião pública através do financiamento de partidos políticos, dos jornais, do cinema, rádio e outros modos de comunicação de massa, lhes garantindo mais fácil acesso ao poder político. Ainda, através de sua competência em questões técnico-econômicas e nas relações internacionais, os dirigentes da economia parecem estar mais aptos a influenciar o poder político do que os dirigentes políticos a influenciar os poderes econômicos. É justamente essa separação de comando político e econômico que constitui esse estado de “tensão” característico das modernas democracias. De um lado, as grandes massas (representadas pelo poder político) querem submeter também a economia ao seu crivo e do outro, os dirigentes da economia declaram intolerável a influência político-democrática na mesma e aspiram conquistar o poder político para somá-lo ao poder econômico que já possuem.
5. Qual a relação entre as ordenações normativas sociais e os atos da vontade humana?
As ordenações normativas sociais são conjuntos de regras estabelecidas (pela própria vontade humana) para possibilitar a vida em sociedade. Como são limitadoras do livre arbítrio, podem ser encaradas como punitivas, mas são elas que determinam o espaço de cada um, ou seja, até onde vão os meus direitos e onde começam os direitos do próximo. Certamente não seguimos essas normas com um caráter puramente voluntário. Aceitamo-las imaginando que a partir do momento em que as estamos seguindo, todos também estão, garantindo assim uma ordem efetiva neste mundo de relações sociais. Se isso não ocorre, a normatização se torna sem sentido. Dessa forma são criadas punições para quem desobedecer essas “ordenações normativas”. Não podemos confundí-las com moralidade ou religiosidade, pois nestas situações o que age é a vontade inerente de cada um, baseado na crença de que a ação correta a ser feita é aquela fundamentada na religião ou na moral própria. Assim, podemos diferenciar esse tipo de normas, as baseadas na intenção, cuja referência é a consciência, a razão ou mesmo Deus, das normas sociais, que são atribuídas à vontade humana em seu conjunto.
6. Estado: visão liberal e visão marxista.
A visão liberal do Estado dá ênfase à liberdade individual, ao governo limitado, ao gradual progresso social e ao comércio laissez-faire (que diz que o mercado funciona melhor com pouca interferência do governo) e, em sua encarnação moderna, apóia o envolvimento do Estado na previdência social e na política econômica, ao mesmo tempo dando apoia à liberdade e às oportunidades pessoais. Surgiu no início do século XIX como ideologia da classe média emergente dos comerciantes e dos empresários. Teve como base intelectual a filosofia política de John Locke, a fé iluminista no progresso humano e no racionalismo e as teorias econômicas de Adam Smith. Os liberais do século XIX pregavam a tolerância religiosa, o individualismo e a autonomia e entendiam a pobreza como falha moral. Já o tipo de liberalismo político do século XX, também chamado de neoliberalismo, é um termo empregado às políticas econômicas dos países em desenvolvimento que põe em destaque os livres mercados e o livre comércio, ao contrário do planejamento econômico e da proteção às indústrias nacionais. A visão marxista, originada das mentes retumbantes de Karl Marx e Friedrich Engels, na verdade é, atualmente um conglomerado de diferentes interpretações, nem sempre fáceis de serem compatibilizadas. Alguns pressupostos, entretanto, podem ser compartilhados: a hipótese de que o capitalismo se baseia na exploração do trabalho assalariado, que aliena as pessoas de suas verdadeiras capacidades e umas das outras; os sistemas sociais, políticos e culturais são criados pelas relações econômicas de exploração, que geram e perpetuam divisões de classes mutuamente hostis; esse conflito de classes e as próprias condições do sistema levarão à sua derrubada e substituição por uma sociedade socialista mais igualitária e mais justa. Além da teoria econômica e da prescrição de mudança revolucionária, o marxismo é uma filosofia da História, que é vista como processo dialético de mudanças progressivas oriundas dos conflitos e uma filosofia da Natureza Humana, que vê as pessoas definidas por suas relações dentro da sociedade e realizadas pelo controle dos frutos do seu trabalho.
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*Questões sobre “A Teoria do Estado” de Hermann Heller In: Política e Sociedade (FHC e CEM), trabalho escrito em 07/05/2001 para cadeira do IFCH/UFRGS
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