Simplicíssimo

Férias de merda

Eu vivia na Alemanha e vim de férias a Portugal para estar com os meus três filhos que ficaram com a mãe deles. Sempre contando tostões, aceitei uma oferta de um amigo de cedência de uma casa no Alentejo, próximo do mar. Depois de lá me ter instalado, num casebre de dois quartitos e cozinha improvisada, muito baixa para os padrões actuais de altura, fui a Lisboa buscar os meninos. Na volta, vimo-nos envoltos numa tempestade de relâmpagos e trovoadas como nunca vira antes na minha vida. E meti-me, com o carro velho, emprestado pelo tal amigo, por caminhos que desconhecia. Os relâmpagos viam-se ainda ao longe; vi aproximar-se um táxi em direcção contrária, fugindo aos relâmpagos. Fiz sinal para parar e perguntar onde me encontrava. O homem do táxi parou, saí do carro e fui ao encontro dele. Perguntei-lhe se ia bem e ele recomendou-me ir sempre em frente, para donde ele vinha. Disse-lhe então, a brincar, referindo-me aos relâmpagos:

– Parece que temos fogo de artifício!

Foi então que vi o pânico estampado na cara dele, que respondeu qualquer coisa como:

– Fogo de artifício? Não brinque com coisas sérias…

Aí dei-me conta de que ele tinha razão, eu estava a ser imprudente ao sair do carro, apesar de os relâmpagos estarem ainda longe. Mas, apesar de tudo, meti-me no carro e segui de encontro aos relâmpagos, qual marinheiro ao serviço de D. João II, "aqui ao leme sou mais do que eu", sou um pai que leva os seus filhos para umas férias de merda, num casebre rústico emprestado por um amigo, no meio do deserto. E lá fomos, com foguetes estralejando à nossa volta, até chegarmos a uma povoação em que nos sentimos já menos expostos. Bem, expostos nunca estivemos, o carro (ou qualquer outra gaiola de Faraday) é a melhor protecção contra os relâmpagos. Mas chegados à povoação e, como chovia a cântaros, resolvemos abrigar-nos numa casa em construção, onde logo um grupo de trabalhadores nos deu guarida. Não só guarida da chuva, como nos convidaram a comer da sua comida. E lá ficámos, eu e os meus três filhos, consolados com a hospitalidade alentejana, o filho mais novo já a dormir ao colo do pai, que sentado estava a uma mesa improvisada com tábuas, típica das obras. Entretanto os outros mais velhos me questionavam sobre o perigo que corríamos ou não, e eu lá tentava acalmá-los falando das probabilidades de se ser atingido por um raio, igual ou semelhante à de se ganhar no Totoloto, etc. e tal. E só quando a chuva torrencial amainou nos pusémos de novo a caminho, agradecendo aos nossos anfitriões, que nos desejavam boa viagem e prometiam que já não faltava muito para chegarmos ao destino final.

Do resto da viagem nem me lembro já, sei que chegámos, já noite cerrada, àquele sítio ermo e sem luz eléctrica, num silêncio de breu (!!??) e, mal entrámos na casota, procurámos acomodarmos para dormir, porque no dia seguinte seria só Sol e praia, se Deus quisesse. As férias lá se passaram. Mas aquela casa rústica deu-nos muitas dores de cabeça, a mim e ao meu filho mais velho. Tanto eu como ele, batíamos sempre com a cabeça no umbral da porta ao entrar e sair de casa, nossos antepassados eram muito baixinhos. E creio ter ensinado, nessas férias, aos meus filhos, que também se vive sem luz eléctrica, sem água canalizada e sem outras comodidades em que nem sequer pensamos no dia-a-dia. Na altura, teriam preferido que eu os tivesse levado para um hotel. Hoje, seriam pessoas diferentes do que são.

Henrique Sousa

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