"Como alguém que fita o sol dourado
E vê depois em tudo um círculo encarnado
Tal eu quando não estás e meu sol é posto
Vejo, em tudo o que vejo, o brilho do seu rosto".
(C. de Bergerac)
Ah, o amor! Esta doce prisão a que nos submetemos voluntariamente! Sentimento sublime que está em toda parte desde que o mundo é mundo e enseja as maiores e melhores histórias ao longo do tempo. Os amargos, os platônicos e os desesperados, dão os melhores dramas. Comédias têm os comuns, os insossos e os vulgares. Thrillers exploram os loucos, os passionais e os psicóticos. Os suaves, os bonitos e os eternos são materiais dos romances. Encontra-se em todas as embalagens, cores, tamanhos, formatos, preços, é só procurar um que sirva e que seja do agrado. O que foi? Falando assim pareceu mercadoria? Há quem encare assim, pode estar certo. E há quem ache que mais se parece com um jogo. Bem, há gosto pra tudo, não?
Andando pela rua, olhando vitrines, distraída, Ângela levou um susto quando um homem apressado esbarrou nela, derrubando sua bolsa e a sacola com o disco do Buena Vista Social Club no chão. Guilherme. Era alto, tinha cabelos castanhos claros, longos cílios escuros, mãos grandes e usava um perfume delicioso. Pediu mil desculpas, recolheu as coisas do chão e segurou-lhe a mão, insistindo para que ela fosse tomar um café com ele, era o mínimo que podia fazer. Ele estava tão bem vestido, era tão gentil, que ela consentiu. Foi o começo. Um ano depois, estavam enviando convites de casamento.
Viveram felizes durante cinco anos, enquanto Guilherme manteve a possessividade e níveis razoáveis. Ele sabia de tudo o que acontecia a Ângela e passou a querer controlar também os seus pensamentos. Sufocava-a, observava-a. E mentia o tempo todo, sobre tudo, mesmo sem precisar. Era compulsivo. Por fim, ela cansou-se daquela vida insólita e pediu o divórcio, foi embora, deixando-o inconformado. Mas, a despeito das previsões, ele não a procurou mais.
Aliviada, Ângela decidiu reconstruir a vida. Era jovem, tinha apenas trinta e três anos e sentia que podia conhecer muita coisa ainda. Procurou uma casa pequena com um jardim e decorou com bastante bom gosto e simplicidade. Tudo seria assim, dali pra frente, simples e sadio, nada mais de neuroses e neuróticos em sua vida. Tinha bastante dinheiro, herdado da mãe, mas mesmo assim, empregou-se numa agência de publicidade. Comprou uma bicicleta e um cachorro, o Du, um filhote de São Bernardo. Arrumou vídeo clube, colocou a leitura em dia, conheceu pessoas. Saiu pra dançar, pra jantar, acampou e fez até rappel.
Divertia-se imensamente e voltara a ser feliz. Mas nenhum homem que tentava se aproximar a interessava. Para preencher o tempo em que costumava ficar com o marido, Ângela conheceu a internet. Gostava muito de trocar idéias e rir, logo conheceu pessoas muito interessantes, mas continuava arisca com o sexo masculino.
Naquela noite, não tinha conseguido conciliar o sono. Sentou-se ao computador e conferiu os e-mails, procurando alguma distração. Tinha recebido um que lhe chamou a atenção e logo entabulou conversa com o remetente, Alex, que era realmente envolvente. Engraçado e inteligente, raciocinava rápido e fazia ótimas piadas. Ela estava gostando imensamente do papo. Trocaram impressões sobre obras de arte, livros, músicas, lugares que tinham visitado. O gosto de ambos coincidia em muitas coisas, era delicioso encontrar alguém que comentasse mais detidamente as mesmas coisas que ela. Ele era quase perfeito. Era como se dissesse exatamente o que ela queria ouvir.
A esse pensamento, Ângela estacou. Era isso! Ele era perfeito demais, sabia todas as respostas, acertava em cheio! Miserável!
– Alex por acaso seu nome não é Guilherme?
– E por que meu nome seria Guilherme?
– Não me responda com outra pergunta ou eu vou embora agora, sem nenhuma outra palavra!
– Calma, Ângela, eu não estou entendendo nada! O que foi que eu fiz? Achei que estávamos nos dando bem!
– É esse o problema, estamos nos dando bem demais. Ou você é o Guilherme ou conhece o Guilherme. Fala logo, é você? Ou ele te instruiu? Fala!
– Ângela, o que é isso, eu nem conheço nenhum Guilherme… Quem é Guilherme?
– Ah, seu mentiroso duma figa, você me paga!
Ângela desconectou da internet e desligou o computador, furiosa, prometendo a si mesma que não caía mais na lábia daquele maníaco. Abriu uma garrafa de vinho e tomou tudo, adormecendo lá pelas quatro da matina.
Do outro lado, Alex não entendeu nada quando Ângela desconectou do papo deles, depois de ter se comportado como louca. Ele desligou o computador resmungando: “Eu, hein, que mulher doida… Não mexo mais com essa coisa de internet, vou é ligar pra Lu que eu ganho mais”.
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