Grito Surdo
O vazio que sentia era suficiente para preencher-lhe toda a alma. A tal ponto que não lhe cabia nenhum outro sentimento a não ser o de solidão. E talvez isso fosse tão sólido que nem só se sentia. Na verdade nunca conseguira sorrir como imaginava que as outras pessoas sorriam. Com verdade. Para ele essa verdade vinha pura e simplesmente da falta de visão. Da cegueira coletiva. Do egoísmo intrínseco de cada um que cruzava seu caminho.
A pressa dos amigos. A pressa de todos. A pressa dos que se acostumaram a não ver.
Brinquedos chutados no chão das calçadas. Crianças jogadas. A mãe sentada no chão. As unhas imundas. Tudo isso lhe provocava náuseas. Ainda. Até quando?
O desespero dos que insistem em não enxergar.A velhice chata. Sem sentido. Sinalizando uma estação terminal.
Sentia a verdade das coisas doer-lhe. Tentava buscar algo pronto.
Um remédio.
Uma consulta.
Uma religião.
Um amor.
Uma roupa nova.
Mas nada lhe cabia.
As coisas dos comuns não lhe caíam bem.
Lhe cabia a maldita visão de estar na contra-mão.
Lhe cabia a impotente vontade de gritar que estava tudo errado.
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