Eu queria fazer poesia. Não como fazem os grandes. Ficaria contente com versos simples em pífios quartetos. Eu bem que tentei. Mas as minhas palavras só sabem correr com seus inúmeros complementos. Não conseguem fugir deles. Estranhas palavras pedintes. Será que elas foram contaminadas? Assim como as minhas mãos, os meus ombros e todo o meu arredor? Tudo pede uma extensão. E agora, minhas palavras… Rebelam-se inconformadas. Confusas por não terem um destino certo. Um destinatário de carne, osso e barba. Elas também querem ter para quem correr, quem acalentar, contemplar. Vácuo? Não. Não há lacunas, espaços vazios. Tudo está repleto. Transbordamento. Palavras e vontades atropelando-se, correndo desajustadas, desesperadas, ávidas por impedir o desperdício. De sonhos, desejos, de vida. O que fazer com tudo isso? Colocar dentro de uma caixa de correio? Enviar por email? Mas como, se não há o principal? Nenhum nome e sobrenome conhecidos. Nenhum nome de rua anotado num pedaço de papel. Eu não precisaria de emissário. Entregaria em mãos. Com as minhas próprias. Ou então, poderia me desfazer disso tudo. Como o faz o colecionador enfadado de seus objetos. Mas não são objetos, coisas exatas, com textura, cheiro e cor. Assim como as minhas palavras não cabem numa poesia, meus sonhos não se encaixam, não se enquadram, não se repartem entre aqueles dispostos a arcar com a nostalgia de um fim de coleção. Não há o que fazer. Só preciso achar um modo de retê-los. Detê-los. Contê-los. Antes que saiam ensandecidos. Antes que se percam. E não voltem.
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