A mulher me chamou com a mão. Aliás, com a mão, não, com a unha do indicador, de uns dez centímetros de comprimento.
Senti um arrepio no extremo sul da minha coluna vertebral.
A outra sala era menor, mais aconchegante.
Uma sala reservada. Numa das paredes havia um cartaz escrito: "Relaxa, senão não encaixa". E outro: "Fiado, só no dia em que o Brasil sair da merda". E mais outro: "Judia de mim, judia!"
Ela parecia bastante com a Toinha (esse era um apelido carinhoso que eu havia dado a ela há trinta anos).
Alta que nem a Tonha, devia ter 1,90m (nos velhos tempos quando eu dançava com a Toinha, eu encostava o rosto nos seios dela e não no rosto).
Também devia ter uns cinquenta anos como a Toinha teria agora.
Mas alguma coisa não batia.
Ela me saudou alegremente:
– Oi, Pintinho de Ouro! Há quanto tempo!
Eu fiquei na ponta dos pés e beijei-lhe os velhos lábios.
– Oi.
– Vamos ouvir alguma coisa?
– Vamos. Tem ai aquela música "linda, meu bem, que será ocê não tem"?
– Claro. Vou pôr o disco.
Acendi um cigarro pra mim e outro pra ela.
Subitamente ouvi um ruído de trás de um sofá.
Fui ver.
Era um caixão se abrindo. Lentamente.
(Comecei a tremer da cabeça aos pés.)
E a verdadeira (percebi na hora) Tonha apareceu.
– Olá, Pintinho! Há quanto tempo! Mulher, pode ir, vá… – ela explicou – É a minha clone. Eu estava com uma ressaca desgraçada e enquanto eu descansava a Tonha II me substituía. Por que você está tremendo assim? Mal de Parkinson, ou é excesso de cachaça mesmo?
– Não, Toinha, é a emoção de te ver novamente.
– Vem cá, meu preferido, me dê um beijão…
Prendi a respiração pra não sentir o seu mau hálito, mas não foi preciso, ela agora estava usando dentadura. Graças a Deus.
– O que você anda fazendo, Pintinho? Ainda é gigolô e metido a escritor nas horas vagas? Tem algum poema novo aí? Ditoooo! Traz pinga pra nós aqui.
– Não, agora eu estou vendendo produtos eróticos, Tonha. E também larguei de escrever essa merda. Não dá camisa pra ninguém.
– É mesmo? Você agora vende aquelas coisinhas eróticas? Tem alguma aí com você? Você tem camisinha de língua, tem?
– Estão lá fora no meu carro, Toinha.
– Ai, querido, quaaanta saudade! Você se lembra das loucuras que fazíamos?
O barman trouxe um litro de cachaça. Bebi metade de uma vez.
– Claro, Tonha. Me lembro daquela vez em que nós transamos andando de bicicleta…
– Se lembra daquela suruba?
– Que suruba?
– Ah, aquela em estávamos você, eu e uma tartaruguinha. Se lembra?
– Ah, sim, claro. E aquela outra, com você, eu e uma abóbora gigante?
– Hum, nem me fale.
Nisso, a Tonha ficou muito séria.
– O que foi? – perguntei.
– Sabe, Pintinho de Ouro, que eu nunca esqueci de você?
Notei nela um olhar cheio de paixão e de voracidade.
– Eu também não me esqueci de você, querida – eu ri.
– Estou falando sério.
Comecei a ficar com medo.
– Você se casou?
– Não, Tonha.
– E por que?
– Acho que porque eu nunca me esqueci de você…
Por que eu fui falar isso?
—
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