Simplicíssimo

Dimensão de uma desculpa

Navegando por aí atrás de uma música para baixar, encontrei um comentário a um artigo que me despertou muita atenção e preocupação com um comportamento cibernético corrente. Não creio que consiga resumir tudo neste texto, mas tentarei ser bem objetivo. O autor do comentário se chama Marcelo e foi assim escrito:

“Qual era o objetivo deste post? Ser engraçado? Irônico? Instrutivo? Não somou absolutamente nada. Como eu li hoje pela manhã em algum blog: se não tem nada a escrever, o melhor é não escrever. A não ser, claro, se o seu objetivo era o de atrair visitantes via Google. Mas isso incomoda os leitores habituais, sabia? Abraço."

Logicamente que isto despertou minha atenção na direção do que discutimos no editorial 254, que tem rendido outros artigos, como o do amigo Pedro Volkmann na edição 257, intitulado “Uma frase com dois cus”. O comentário acima foi retirado do site celsojunior. net. E se lerem este post, darão razão ao Marcelo. O tal site-blog, além da praga da infestação dos anúncios google, tem até uma "nuvem de tags", que nada mais é do que um espaço repleto de palavras chaves comuns às pesquisas dos internautas (e à curiosidade das pessoas de uma forma geral). Indexadas às ferramentas de mineração na web, as pessoas acabam sendo atraídas para lá, achando que vão encontrar o conteúdo procurado e acham (ou nem isso) apenas as palavras perdidas na nuvem.

O fato é que passei a imaginar o quanto acabamos nos desviando das nossas pesquisas, nos perdendo na navegação, simplesmente porque alguém utiliza de recursos para ter aumentada a visitação em seu site, mais chances de cliques em suas propagandas e assim por diante.

A discussão que se segue naqueles comentários é bastante curiosa. Entre outras respostas de Celso, o dono do site, encontramos: “Antes de qualquer coisa, eu estudei a fundo técnicas SEO (Search Engine Optimization), depois comecei a colocar em prática o que eu aprendi. O resto foi só uma conseqüência positiva… “ e “Esqueceram de avisar pra ele que eu não sou puritano.”

Pensem da seguinte forma: se eu estudar a fundo como assaltar bancos, roubar carros ou passar as pessoas para trás, isso me autoriza a colocar meus aprendizados em prática? As conseqüências positivas são as vantagens que eu levei ou as desvantagens que aos outros couberam? Eu não ser um puritano, me autoriza a agir de má fé para obter vantagens exclusivas a mim mesmo?

Aí um ponto da natureza humana (negativo, diga-se de passagem). Com muita freqüência a ética e a moral sucumbem na idéia de que nossa atitude é certa ou errada pelo que possa nos acontecer e não na ideologia em si. Já comentei há muito tempo aqui no Simplicíssimo a pergunta que um professor fez a seus alunos no sentido de que, se eles fossem a um banco e os cofres estivessem abertos e houvesse a garantia de que eles poderiam pegar o dinheiro sem que nada de mal lhes aconteceria. Pegar o dinheiro era a opção maciça da turma, apesar de ser um patrimônio que não lhes pertencesse, que fosse de outro, sobre o qual cairia o prejuízo da sua ação.

Ainda nos falta muito para aprender o sentido do coletivo, da vida em sociedade. Ainda somos muito movidos pelas nossas necessidades pessoais, dotadas de um certo egoísmo nato. Ainda não sabemos utilizar bem as ferramentas que nos são apresentadas, como bem ilustra o livro “O Presente do Fazedor de Machados – os dois gumes da história da cultura humana”, de James Burke e Robert Ornstein (clique nele para ler o primeiro capítulo no site da Livraria Cultura). Teria Albert Einsten revelado suas revolucionárias descobertas da física se previsse que as utilizaríamos para criar a monstruosa bomba atômica?

Mas se você ainda acha que os "pega-ratões", como os existentes no site do Celso, podem e devem ser usados com um simples e "inofensivo" propósito de atrair visitantes para o site e blá, blá, blá? Aqui na região metropolitana de Porto Alegre temos leitos de rios desviados por fazendeiros para irrigarem suas terras e plantações. O resultado: acabam modificando o ecossistema e levando a danosas conseqüências ambientais que pouco lhes importa, exceto por conseguirem o objetivo de manter sua produção agrária. Da mesma forma, esses sites têm serventia meramente individualistas e contrárias às regras de uma boa convivência social ou da preocupação com “o todo”. Poluem, deturpam e esgotam os sistemas de busca, como o próprio Google (que talvez lucre com isso), induzindo o internauta a uma cansativa e infernal jornada onde se perde por caminhos nada relacionados ao que procurava. Você gostaria, por exemplo, de ir conhecer um local anunciado na propaganda como repleto de brinquedos, jogos educativos, playgroud, etc. e ao chegar lá ver que se trata de uma clínica geriátrica e não de uma creche, que é o que você precisava?

E no site de outro Celso (ou em outro site do mesmo Celso, não sei) o autor faz um exercício para atrair visitação com uma postagem picante: “Daniella Cicarelli transando. Ou, como aumentar a visitação de seu blog.”. Vale a pena acompanhar os comentários, chega a ser até cômico quando começam a lhe pedir o vídeo da moça, visitantes que certamente não leram a mensagem, onde estava claramente manifestada a intenção do teste.

Há de se perguntar como fazer melhor para você, sem piorar para os outros. Cabe aqui destacar o Blog da Maysa, onde encontrei “24 Dicas de como aumentar as visitas em seu site ou blog” dotadas de bom senso e pouca (ou nenhuma) enganação. Enfim, está mais que na hora de nos darmos conta de que o site mais acessado pode não ser o de maior valia ou melhor conteúdo e pode não ser honra ou mérito algum determos este título.

Como diz Nico Nicolaiewsky, no poema “Poeta Analfabeto,” (lindamente musicado por Hique Gomes em “O Teatro do Disco Solar”):

“Nada pode ter a dimensão de uma desculpa
louca abnegada e prisioneira de um convento,
lento, mas fatal, assim como afinal no fim.”

Eduardo H. Sabbi e Ibbas Filho

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