Colecionava canetas. Não as que considerava belas, diferentes ou raras, mas todas as que usava até as cargas chegarem ao berro. E só se permitia guardá-las após secarem irremediavelmente: enquanto não se tornassem inúteis, não poderiam pertencer à coleção.
A tal ponto chegou a compulsão em juntá-las que, estivesse fazendo o que fosse, com a mão direita ou a esquerda rabiscava qualquer coisa com a intenção única de gastar tinta e incluir mais um exemplar à extensa renca. Falando ao telefone, assistindo TV, trabalhando e até mesmo dirigindo, lá estava ele com um risque-rabisque ao lado ou no colo, alternando entre movimentos retos e circulares para prevenir LER e tendinite.
Com o tempo foi percebendo que as canetas mais vagabundas gastavam mais rápido, o que o levava com frequência quase diária ao camelódromo. De lá voltava com dúzias delas, e nem bem se despedia do dono da banca já começava a rabiscar pelo caminho. Muros, postes, panfletos de comida por quilo, toda superfície onde a ponta da caneta deslizasse servia para dar vazão à neura. Rabiscava com o alívio de quem esvazia a bexiga, toma fôlego, mata a fome. Já nem dormia direito, julgando desperdiçadas as horas em que ficava sem caneta à mão. Daí passou para o vandalismo sem controle. Era detido riscando carros pelas ruas, assentos no metrô, fórmicas de balcões de lanchonete, cabines de elevadores. Nos acessos mais violentos, metia-se em banheiros públicos e pintava em tinta esferográfica todas as portas que via pela frente.
Preso em flagrante tentando rabiscar os quadros do museu da cidade, não houve fiança que o tirasse dessa vez da delegacia. Na cela, ao invés de um risquinho na parede para contar os dias de cativeiro, fazia um a cada segundo transcorrido. Prisioneiro de sua paranoia, forrava tudo ao redor com centenas de milhares de pequenos traços. Até se contorcer em cãibras, até sangrarem as mãos, até que a carga de vida enfim secasse.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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