Simplicíssimo

AMANTE MANTIQUEIRA

Do meio da escada rolante, na grande cidade cinza, galopo mentalmente nesse azul esverdeado que é todo teu, Mantiqueira. Vou me encardindo em teu musgo, devasso tua vastidão, perdidamente me encontro em teus cipós e veredas. E já tão verde quanto és, me camuflo do mundo e me soldo contigo, no enlace fecundo entre o animal de mim e o vegetal de ti. Recolho no meu balaio lendas guardadas desde o Gênesis nas copas de tuas árvores. Trazidos por uma aragem passam caboclos e curupiras, camafeus de sinhazinhas, rocas de negras velhas, ais de chibata e de gozo, a grande saga dos séculos que pudeste acompanhar.


Ouves agora o eco? É toda a tua quietude aos berros dentro de mim. Mais um pouco e o sol a pino vai mudando teus matizes e o canto de teus pássaros. Sobrevoo esses mares de morros que começam não sei onde para acabar sabe-se lá. Tuas termas de  vulcões mortos, o enxofre a desprender dos teus ovários. Reconheço minhas veias nos veios de tuas rochas. Me revelas calmamente teus segredos mais nativos: as Pratas de tuas Águas, as Caldas de teus Poços, teus Pinhais de Boa Vista. Me falas dos milhões de anos que levaste na feitura disso tudo. Da paciência que tiveste, do quanto que esperaste para me ver assim, sob feitiço. Me contas histórias remotas, gravadas em xistos, calcários e granitos, num dialeto ancestral só partilhado por nós. Me inicias em teus saberes, me mostras picadas abertas por bandeirantes atrás do ouro das Gerais. Me escancaras as jazidas de teus minérios. Teus urânios, que enriquecidos te empobrecem. Tuas fontes radioativas, tão vítimas da cobiça extrativista. Me banhas como mãe em tuas cascatas, me ensinas que é por causa delas que teu nome é “Serra que Chora”, em tupi-guarani. 


Mas o que me entregas é quase nada perto do que escondes. O insondável que há por trás de tuas neblinas – uma interrogação que, mesmo fluida, é tão pesada como o ferro que produzes. Porque és, Mantiqueira, quinhentos quilômetros de mistério. Guardas em tuas nascentes o código genético da Terra, sentes em teu manto o dedo de Tupã. Ele, que te esculpiu fêmea, de encostas insinuantes para seduzir os homens.



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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.

Blogs:

www.consoantesreticentes.blogspot.com (contos e crônicas)

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Email: msguassabia@yahoo.com.br

Marcelo Sguassabia

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