Parem, reflitam e vejam se tenho ou não tenho razão. É vergonhosamente lamentável a forma com que nos arrancam de nossa terra, onde a tanto custo fincamos nossas raízes e deveríamos viver felizes para sempre. Quem nos remove de nosso solo é tão assassino quanto os pecuaristas e açougueiros, que tanta indignação e repulsa despertam na sociedade civilizada pelas atrocidades cometidas nos matadouros. ONGs e associações de defesa dos animais protestam – e com toda razão – contra o confinamento de bois, galinhas e porcos. Mas e quanto a nós? Alguém se compadece ao saber o quanto sofremos, espremidos, nos caixotes da Ceasa?
Somos seres vivos, queremos e devemos ser tratados como filhos de Deus, e reivindicamos igual tratamento dispensado aos mamíferos e galináceos. Está cientificamente provado que ao som de Bach, Mozart e Beethoven os vegetais se desenvolvem com maior força e viço, o que só demonstra que constituímos formas inteligentes e sensíveis de vida. Somos muito mais delicados e sutis em nossa estrutura física, e por isso mesmo merecedores de cuidados especiais.
Seus almoços e jantares são o nosso suplício derradeiro. É uma verdadeira sessão de tortura a acidez do vinagre, do sal e do limão sobre nossas folhas frágeis e tenras. Segue-se o esquartejamento no prato, quando sofremos dores inenarráveis antes de nos alojarmos, mortos, nos buchos de vocês, humanos. À frente deste sadismo estão os vegetarianos e os vegans, que o mundo considera tão idealistas e inofensivos. São eles, obviamente, nossos piores inimigos. Apregoam os vegetais como a solução para todos os problemas, e paradoxalmente os liquidam.
Vocês, bípedes racionais, podem argumentar: ok, o que vamos comer então? Mas isso não é problema nosso. Não matamos ninguém para garantir nosso sustento, já que tiramos da terra e da chuva o que precisamos. Somos – nós sim – sustentáveis e ecologicamente corretos. Ao contrário do bicho homem, que nos dizima impiedosamente. Exceção se faça às crianças, das quais não temos reclamação. Em geral não nos suportam e trocam sem titubear um caminhão de alface lisa ou crespa por meia bolacha Palhacitos.
Reparem no triste espetáculo de uma chicória definhando após um golpe de faca. No último suspiro dos aipos ao serem triturados por seus malditos incisivos. Na indefesa beterraba vertendo seu caldo vermelho, que em nada difere de sangue animal. Em milhões e milhões de batatas que ao dia são escalpeladas, fatiadas em tiras uniformes para serem fritas ou esmagadas até virarem purê. Nem os mais perversos oficiais da SS nazista poderiam conceber tão extenso rol de malvadezas. E o que vemos? A ONU, a Cruz Vermelha, o Greenpeace, todos fazendo vista grossa e se omitindo frente a tamanha barbárie. Calam-se simplesmente ante a mortandade coletiva de almeirões, rúculas, espinafres e salsinhas, ceifados às toneladas na flor – ou na folha – da idade. Basta de sofrimento. Abracem, por favor, a nossa causa.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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