O Willy não precisava ter ido tão cedo. Não precisava mesmo. Uma desatenção nossa e olha ele aí, finado. Ainda se tivesse procurado o fim – tomado veneno de rato, dado um tiro na têmpora, um enforcamentozinho. Mas assim, pego de surpresa, ver-se defunto da noite pro dia e a contragosto, não deve ter sido fácil.
Bom Willy, tão viciado em vida e de repente nessa situação. Em quase todas as sepulturas do cemitério, a estrelinha e a cruz, a data da morte e o dia do nascimento. Com estrela você combina, mas cruz não é o seu estilo.
Prometo que, tão logo o padre encomende sua carcaça, cairei fora desse latifúndio de esqueletos e entrarei no bar mais próximo para beber à nossa saúde. À minha aqui embaixo e à sua aí em cima, seu desalmado. Embora beba quase nunca, farei isso por você.
Aguardo, sua besta, você numa noite dessas pra me puxar as pernas, fazendo gracejo das coisas sagradas. O céu nunca mais será o mesmo depois da chegada de “Aero Willy”, o querubim gozador. Tô até vendo você tentando empurrar uma rifa pra cima de São Pedro ou convencendo Santo Expedito a ser seu fiador numa confortável nuvem de dois dormitórios.
Quero que fique em relevo no mármore branco e no granito preto desses túmulos um pouco dos melhores momentos que tivemos. Um dia, querendo ou não, a vida vai me mover um processo de desapropriação e virei também morar por essas bandas. Seremos vizinhos de novo, como éramos de rua.
Agora é essa serra azulada circundando o campo santo. Deixar você assim desamparado, no meio de tão desanimadas companhias, é de cortar o coração. Sinto um espírito me soprando ao ouvido: “escreve aí no seu texto pra cuidarem mais da gente. Só lembram que a gente existe dia 2 de novembro, isso é uma desumanidade”. É justo. Inexistente também existe. Não é porque morreu que deixou de merecer consideração.
Assim como os vermes daqui a uns dias avançarão com menos apetite sobre os seus restos, as lembranças suas também irão perdendo o brilho e a nitidez, sei disso. Sei do inevitável disso. E deixo subirem à mente as pipas todas que soltamos e milhões de bolhas de sabão, da época em que a gente tinha o tamanho dos anjinhos tocadores de trombeta, iguais a esses da tumba aqui do lado.
– Acorda aí, palhaço. Que cara de sonso é essa…
– Willy, é você? Eu tava sonhando ou é você que veio me buscar?
– Dá um cigarro, vai. Anda.
– Tá, mas primeiro me conta o que é que está acontecendo.
– Calma, tudo a seu tempo. E tempo a gente tem de sobra daqui pra frente.
Caímos na gargalhada. Acesso de riso no cemitério, coisa mais sem cabimento. Rimos tanto que apagamos as velas com as nossas risadas. Ao fundo, a trilha de Nino Rota para “Oito e Meio”. O coveiro passa por nós, mede a dupla de cima a baixo e faz um “tsc-tsc” de desaprovação.
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