A Folha de São Paulo informa que Londres receberá uma praia no próximo verão. Os ingleses, sabemos todos que há séculos conhecemos suas proezas, os ingleses são muito engenhosos, mas ainda assim não podemos vê-los como engenhosos fidalgos ao Norte de La Mancha. A coisa não é bem que em Londres não haja mar, rios, correntes, não, águas e correntes até que os londrinos têm. A coisa é mais básica, fundamental, como diria, I mean, a coisa é a idéia de praia como um lugar de paraíso, de férias, de prazer e alegria. E aqui o melhor I meaning é transcrever o despacho, para que não pisemos nele:
“A subprefeitura de Lambeth autorizou a execução do projeto na margem sul do rio Tâmisa, próximo à London Eye, a imensa roda-gigante que já se tornou um dos símbolos da capital britânica.
Além das áreas para bronzeamento e de chuveiros, haverá no local arenas de vôlei de praia, churrasqueiras, bares, espaço para prática de ioga e massagens …”.
Os amigos já see e sentem a coisa. A coisa, simples, é importar um paraíso. Melhor, melhor dizendo, I mean, a coisa é um paraíso para pobres, tão artificial quanto a visão da mulher das revistas masculinas only for poor. Porque assim começa o despacho:
“Assim como os parisienses, que nos últimos anos se esbaldaram com tanques de areia e chuveirões à beira do rio Sena, os londrinos terão, a partir do próximo verão, a sua praia artificial”. E aí, e aqui, here and now pedimos licença à experiência dos amigos latinos para que imaginem o Éden dos trópicos em Londres: grama de plástico, biquínis puritanos, mas com, detalhe infernal, os seios de fora, and more e mais: sol de Hitchcock, frio como o gelo do freezer, e chuveirão, e chuveirão, ah, que a carne, por ser dura de frio, ainda assim não é de ferro. Brrrr, ooó all right! Mas antes que um redator da BBC para o Brasil nos acuse de ignorantes porque não nos sentimos tão britânicos quanto, esclarecemos, na continuação do despacho:
“À noite, o espaço será convertido em cinema a céu aberto, com capacidade para 1.000 espectadores sentados”. Praia com cadeiras bem comportadas de auditório, para um sol à noite? – Má vontade, invejoso da vida em Londres, diz-nos o companheiro da BBC: é para um cinema, à noite, e na praia, coisa impensável nos trópicos! Ah, bom, então vamos a outras coisas impensáveis. Em nome da inteligência, e no devido respeito às autoridades britânicas, não diremos que os filmes ao lado dos tanques de areia serão algo como “Uma praia very beach”, ou “Dez lições a respeito de Copacabana”. Of course que não. Digamos algo mais próprio para uma praia em Londres e para o nível da cultura inglesa. “Sonho de uma noite de verão” talvez fosse bem próprio. Mas isto soaria aos amigos de Londres como algo indelicado, por lhes fazer lembrar a distância entre férias e uma noite à beira de um rio. É difícil. Outros programas, que atendessem ao mesmo tempo a diversão na praia e o alto nível da cultura inglesa, soariam todos impróprios, para não dizer irônicos. Se é praia, não pode ser digamos assim uma cultura de alto nível, formal, à maneira inglesa. É muito difícil ler Joyce ou Proust entre areias e biquínis. E por isso retornamos à objetividade do despacho do correspondente em Londres:
“Segundo a proposta, a praia do Tâmisa ficará aberta de junho a setembro de 2006, durante 62 dias (quase nove semanas)”. É no Tamisa, é à margem do Tamisa! É na margem do Grande Fedor, aquele mesmo que fez suspender as sessões do até então heróico Parlamento, heróico até o dia em que não suportou mais o perfume das fezes britânicas. – Isto foi em 1858, ignorante, corrige-nos gentilmente um colega do serviço da BBC. De lá para cá o rio foi despoluído, bem diferente dos “seus” (dos nossos, porque me fala um brasileiro) rios, que fedem, e como. Fedem a excremento patrício, ele quer mean dizer. Mas não precisamos mergulhar na escatologia. E por isso continuamos, sem pisar no despacho:
“Assim como ocorre em Paris, os freqüentadores não poderão nadar no rio que corre à beira da praia. Apesar de um bem-sucedido projeto de revitalização desenvolvido ao longo da última década, o Tâmisa ainda é impróprio para banho”. Ah, bom. What a pity, que pena, Jorge Benjor. É olhar o Tâmisa e se refocilar, I mean, é vê-lo e se emporcalhar na areia, naquele paraíso de tanques de terra à margem do Tâmisa. Na verdade, os londrinos nessa colônia de férias nem precisam vê-lo. Basta o ar, que digo, basta imaginar o que seria um ar bom, do rio São Francisco em Paulo Afonso, do mar em Porto de Galinhas, de um céu azul repleto de papagaios de papel de todas as cores, basta sonhar um domingo em Olinda, basta imaginar o mar quente do Nordeste do Brasil, e ver nos desenhos puritanos das roupas de banho a mestiçagem das formas dos trópicos.
Praia em Londres enfim é um puro exercício de imaginação. Um sonho onde uma fada e Puck entram por lados diferentes. Com os olhos e narizes bem tapados.
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