Continua…
E foi. Qual a maneira certa de começar um namoro, ou melhor, uma história de amor? Arrisco dizer que é por correspondência. Você vai conhecendo o outro aos poucos, troca idéias, verifica os objetivos e pode, é claro, solicitar uma foto assim que o interesse tornar-se mais físico. Nesse ponto já se tem uma noção exata de quem é a outra pessoa, o que pensa e quer da vida.
A comunicação direta entre as pessoas é utilizada para banalidades, na maioria dos casos. Mas em alguns, é possível aproximá-las até que estejam tão perto que somente resta-lhes o encontro físico, a celebração final de todo o processo de conhecimento que se gerou há muito tempo atrás.
Eram dias duros. De um lado um nobre amargurado, maltratado pelos impostos que eram exorbitantes e sem limites. Totalmente ao gosto de seu soberano, que não lhe permitia sonhar, tolhendo todos os seus recursos de sobrevivência. De outro uma linda princesa, sonhadora e generosa, restringida em seus direitos de ir e vir por um feitiço anterior a sua própria vida. Duas vidas distintas, em rota de colisão. Possuíam um amigo em comum, o cavaleiro. De propósitos firmes e objetivos traçados, este intermediou o primeiro contato entre os dois. A partir de então começaram a se corresponder.
As mudanças foram imediatas no nobre. Poucas correspondências trocadas e já havia superado seu soberano, mostrando a este quem, de fato, manda em suas terras. Atraiu mais pessoas para seu feudo, reergueu seu castelo. Passou a trilhar novos caminhos em suas aventuras externas ao castelo. Conheceu novos amigos, diversificou suas atividades e, acima de tudo, cresceu muito enquanto indivíduo, além da já aparente nobreza. Mas algo lhe faltava. Por mais amigos que tivesse, festas que participasse, tinha que se corresponder com a princesa. Seu maior objetivo passou a ser encontrá-la. Pediu-lhe permissão, várias vezes. Sempre foram negadas suas investidas. Não com grosseria ou desagrado, mas com o tom reconciliante de que o momento oportuno ainda não tinha chegado. Intrigado, apaixonado e decidido continuava em suas investidas. Com a certeza que esta haveria de ceder qualquer hora e fazê-lo conhecer a flor que perfumara toda sua vida.
A princesa escondia segredos. Prometera seu coração a outro rei, resignou-se a esperar que este viesse a seu encontro. Despojou toda sua auto-estima em prol daquele desejo, que julgava ser o amor. Recolheu-se ainda mais, quando os efeitos da maldição, lançada antes de sua chegada a este mundo, dificultaram ainda mais sua vida. Retirando-lhe, por vezes, o brilho e a esperança do olhar. Acreditava que venceria a tudo, pensava que conseguiria sozinha. Mesmo contando com o auxílio do seu rei e pai, suas perspectivas viam-se reduzidas. As cartas tornaram-se uma esperança. No início usava-as como desabafo de suas frustrações, com o pretendido ou com o feitiço que atormentava sua vida. Aos poucos passou a reconhecer a necessidade dessa comunicação ser mais intensa. Não bastavam apenas poucas palavras, queria mais e mais contato com o nobre que lhe sorria em cada comentário e lhe oferecia todo o sucesso que estava conseguindo. Ela recusava. Não acreditava que poderia completar seu destino ao lado de um homem que se erguia perante a sociedade, enquanto sofria e lutava de todas formas contra um mal instalado dentro de si própria. Ignorou aos que tentaram convencê-la do contrário, de que precisava de um apoio maior e real. Que somente teria a certeza do amor deste ao vê-lo carregar junto à cruz que possuía. Mesmo agarrando-se com toda força a esse amor, opunha-se ao encontro. Não o dispensava, mas temia por esse encontro ser o fim do pouco que já possuía, resignando-se a continuar com as migalhas desse amor que só aumentava todos os dias.
Dias de festa, dias de luta. O trabalho diário, a infinita preparação de uma princesa é algo indescritível. Suas atividades mal lhe davam o tempo necessário as suas correspondências. Eram muitas aulas para que fosse uma mulher perfeita, embora soubesse não o ser. Muito tempo desperdiçado com o tratamento de sua enfermidade. Passou a ter cuidados para que o feitiço não a dominasse por completo e pudesse ter a chance de reverter o quadro de dominação a que estava subjugada. No resto do tempo ocupava-se sendo princesa. Delegando suas dádivas aos súditos e seu correspondente secreto, que, a cada dia, insistia mais em conhecê-la pessoalmente. Seu reino comporta, nesse período, a maior mostra de arte de que já se teve notícia. Um evento grandioso que voltará a ser realizado a cada dois anos. Um motivo desses era exatamente o que seu correspondente estava precisando para persuadi-la a um encontro. Preparou-se para se desvencilhar de mais essa armadilha. Deixou, porém, transparecer nas entrelinhas sua vontade idêntica a de seu contendor. Suas contendas não tinham mais razão de ser, este pensou. Organizou-se e partiu rumo ao reino da princesa. Seria durante esta festa da beleza e da criatividade que cultivaria, por fim, todo o seu amor.
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