Simplicíssimo

Por uma crítica mal-humorada de “Sr. e Sra. Smith”

Regra número um para começar uma crítica sobre o novo filme de Brad Pitt e Angelina Jolie: dizer que este é o longa metragem que, segundo os fofoqueiros de Hollywood, marcou o início do affair entre os dois atores (e dizer que são os astros com mais sex appeal do momento) e que foi, provavelmente, o causador do fim do casamento entre Pitt e Jennifer Aniston. Depois disto, pode-se dizer que foi um grande acerto imaginar que tais símbolos sexuais precisam de terapia de casal – como se mostra logo no início do filme. E achar que responder constrangedoramente à pergunta do terapeuta: “Quantas vezes vocês fizeram sexo nesta semana?” humaniza os personagens e provoca a cruel satisfação do público. Bem, depois de recorrer à tais estratagemas, não é lugar-comum, por mais que toda a imprensa esteja repetindo isto incessantemente (por ser tão nitidamente notável), dizer que Sr. e Sra. Smith é uma espécie de requentado com ingredientes deA Honra do Poderoso Prizzi (1985), A Guerra dos Roses (1989) e True Lies (1994). Consegue, no entanto, ser menos divertido que o último nos trechos tão semelhantemente reproduzidos.

A premissa é batida: John e Jane Smith (os personagens de Pitt e Jolie, sendo que “Smith” é um sobrenome americano tão comum quanto “Silva”), são dois assassinos profissionais que trabalham para organizações diferentes, sem que em cinco ou seis anos de casamento tenham conhecimento desta peculiar atividade de um e outro. Como são assassinos bonzinhos, só matam bandidos. No dia a dia, para deixar claro o tédio em que se transformou o relacionamento do casal, os comentários são sobre a adição de ervilhas no prato preparado no jantar e a troca das cortinas da sala. Por isso a busca pelo terapeuta – para constatar que, de vez em quanto, um sente vontade de matar o outro. Vontade que poderá ser facilmente realizada a partir do momento em que, no objetivo de dizimar o mesmo alvo, acabam intervindo no trabalho um do outro, e tendo que voltar suas pistolas para o próprio cônjuge.

Está iniciada a seqüência de comédia, pancadaria e tiroteio. Com entremeios em que piadas engraçadinhas sobre as vicissitudes do casamento são liberadas com mordacidade calculada. Brad Pitt mostrou que consegue ser muito engraçado como o pugilista cigano Mickey O’Neil de Snatch(2000), de Guy Ritchie. Aqui, falta alguma coisa. Um timmig mais apurado ou anedotas sobre o matrimônio que conseguissem ser mais bem escritas que qualquer um dos textos de Luis Fernando Veríssimo, por exemplo. Teve quem gargalhou no trecho em que a comparação sobre o número de mortes de cada um fez analogia clara com a lista de relações sexuais antes do casamento. Eu levantei a sobrancelha esquerda.

O grande segredo é assumir o caráter quase exclusivamente estético a que o filme se reduz. Se a seqüência de gracejos não leva a um roteiro com novidades, os personagens têm a profundidade de um pires (e eu confesso que esperei com uma certa ansiedade para assistir ao tão comentado desempenho de Vince Vaughn, que diziam estar ótimo como o parceiro de Pitt que, depois de lidar com terríveis criminosos, vai para a casa do subúrbio onde mora com a mãe…), o lance mesmo são os grandes closes nos atores, o balé de rajadas de metralhadores e a correria cansativamente coreografada. Afinal, não é sempre que se pode contar com a beleza de dois ícones tão desejados em uma mesma película. Angelina e seus lábios grossos é uma obra à parte. Assistir à qualquer cena em que ela esteja presente já é um espetáculo que, considerando-se o filme não ser grande coisa, fazem valer à pena o preço do ingresso. Quem se importa se o a sua atuação não seja muito dada a gracinhas ou se o seu corre-corre não a diferencie da Lara Croft de Tomb Raider (2001), quando aquele par de coxas está presente para adornar aquele corpão? Bom, as moças talvez se importem… Para elas é que o Brad Pitt está presente.

No final das contas, o que resta mesmo é a banalidade bélica a que o filme se reduz. Ok, não é de hoje que as grandes explosões estão presentes, que o tiroteio corre solto nas produções norte-americanas e mortos caem alvejados enquanto os heróis dão risadinhas. Mas no momento em que tal seqüência de cenas deste estilo se sucede como um “estilo de vida” e, ao final das contas, o objetivo em nos mostrar o casamento semidesmoronado do casal de assassinos é humanizar o seu profissionalismo de matadores, Sr. e Sra. Smith se transforma em uma seqüência inacreditável de rajadas de metralhadoras, arremessos de granadas e tudo o que a mais moderna tecnologia destrutiva foi capaz de inventar. Tudo devidamente adornado pelo misânscene glamouroso com que se associa o ofício da destruição. É o glamour supremo da destruição! A incapacidade da indústria hollywoodiana de construir, literalmente, está cada vez mais evidente e irritante. A cultura estadunidense impregnada deste ranço heróico, deste “charme” do tiroteio, da suprema sedução do fuzil… Só o que importa são destroços, fogos explosivos, corpos em chamas e “inimigos” (são todos os outros) alvejados, degolados, abatidos. E tal cultura penetra mais do que sorrateiramente – querendo enlamaçar a todos com sua ideologia bélica, com seu ideal de guerra, com sua “normalidade” assassina – através destes inofensivos filmes que mostram quão cool, quão fashion (e, para os desavisados, a sucessão de termos estrangeiros é proposital..) é ser um assassino profissional. Quão bacana pode ser um casal se espancando pela casa e destruindo seus móveis e eletroeletrônicos de última geração. Quão divertido pode ser um bom tiroteio no final de semana.

Alessandro Garcia

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