Simplicíssimo

Nua & Crua

Aqui começa a coluna NUA & CRUA, onde trarei semanalmente a verdade nua e crua travestida em contos, crônicas, poemas, textos malucos, fictícios, com uma pitadinha de realidade…
Espero que todos gostem e participem deixando seus comentários, críticas.
Me xinguem, me matem, me joguem na parede e me chamem de lagartixa"

Solidão Plus

Solidão é tão imprevisível quanto chuva de verão … simplesmente vem, chega, se precipita e cai sobre nossas cabeças sem dó nem piedade!

Assim estava eu, sob uma chuva! Mas era uma chuva de meteoros que caíam sobre minha cabeça! Lá estava eu sem ânimo, sem vontade, sem lenço e sem documento como diz a música … era assim que me sentia, desfragmentada, desocupada e uma gama de “des” isso e “des” aquilo que dava para encher um livro!

Tudo adquirira uma dimensão tão grande em minha vida que me amedrontava, embora eu me esforçasse para não transparecer esse medo e tentasse ser ainda aquela menina risonha e divertida! Mas o fato era que tudo em minha vida estava tomando um rumo que eu não escolhera! Tudo parecia tão grande, como se alguém tivesse acionado o botão PLUS aleatoriamente aumentando assim toda a solidão que eu sentia!

De súbito olhei para as chaves do carro que jaziam sobre a escrivaninha e num salto apanhei-as e me dirigi à garagem do prédio! Precisava sair para arejar naquela noite estrelada, precisava respirar um pouco do ar poluído da metrópole, precisava ouvir o barulho ensurdecedor dos motores dos carros, precisava respirar um pouco de vida lá fora …parei em frente a um bar no centro da cidade, ainda dentro do carro pude ver claramente que as mesas do bar eram repletas de casais de enamorados que sentavam-se tão juntos que quase não era necessário duas cadeiras, outros se olhavam com aqueles olhares que só quem está apaixonado tem … e só Deus sabe como é bom esse estado de graça …

Dei um longo suspiro tentando afastar todos aqueles pensamentos negativos que pairavam em cima da minha cabeça feito uma nuvemzinha preta de vendaval … Entrei no bar e por alguns minutos eu pensei em escrever um artigo no jornal direcionado aos donos dos bares reivindicando mesas que tivessem apenas um lugar e não dois, para que as pessoas solitárias pudessem sentir-se menos constrangidas! Sentei em uma mesinha (com dois lugares) em um canto mais retirado para não dar tão na cara a minha solidão tão aparente! Ascendi um cigarro e pus-me a tragá-lo … enfim não estava só …meu cigarro me acompanhava! Que deprimente! Eu parecia estar em uma propaganda de cigarros, só faltava eu olhar de lado assim para a câmera e dizer: “Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum!”

Pedi uma vodka, já que estriquinina eles não vendem assim em bares, ainda não, pelo menos no Brasil não … Enquanto eu bebericava meu drinque, um moço negro dono de uma arcada dentária de fazer qualquer dentista ter orgulho da profissão tocava e cantava um som meio ambiental sentado em uma espécie de “palquinho” improvisado! Aquela atmosfera toda me fazia sentir ainda mais só, a fumaça dos cigarros, os zun zuns das conversas vindas das mesas ao redor, o cantor que cantarolava melodias melancólicas e o garçom que me olhava de canto toda vez que passava pela minha mesa! Teve uma hora que eu jurei que ele fosse chegar e perguntar assim meio sem jeito se eu queria que ele levasse embora aquela cadeira delatadora que atestava minha solidão! Mas não! Ele limitou-se a continuar me olhando de lado e me questionando sobre o que eu queria comer!
Expliquei-lhe meio sem jeito que não comeria nada no momento e pedi mais uma vodka!

Risadas um tanto despreocupadas abafam por algum momento a música do bar! É um grupo de jovens que adentra triunfante e cheios de vida e nada de solidão … sinto inveja, uma inveja que não chegava a ser nociva, talvez o fosse para mim! Alguém lá na frente acena em minha direção, fico meio paralisada afinal não o conheço! Mas acabo percebendo que todo o esforço do moço era para chamar a atenção de uma loira esguia e bem torneada que toda delicada bebia com alguns amigos em uma mesa atrás de mim!

Percebo que perdi a hora … já é tarde… e assim que levanto da cadeira percebo que perdi também a conta de quantas vodkas havia ingerido e quase caio de volta sentada! O melhor (e mais seguro) seria tomar um táxi e deixar o carro ali mesmo … assim o fiz… entrei no táxi que estava estrategicamente estacionado onde o motorista cochilava escorando a cabeça no encosto do banco. Quase tive pena de acordá-lo, afinal era um senhor de meia idade com cabelos ralos e meio grisalhos, barba por fazer, e com um irritante bigodinho bem a estilo Tarso Genro …

— Para onde menina? Ele balbulcia entre um bocejo e outro.
— De volta à solidão – brinquei eu – sabe onde fica?
— Isso é um assalto? – ele falou assustado – se for já te aviso que a féria hoje não foi boa moça e …
— Puxa, não achei que tivesse cara de assaltante … toca pra Pedro Adams. O senhor é casado?
— Sim …
— Tem filhos?
— Dois, um menino de 10 anos e uma menina de 7 anos – falou ele orgulhoso apontando para um daqueles porta retratinhos antigos de pendurar em carro onde de um lado sorriam dois japonesinhos abraçados e do outro uma jovem senhora oriental de longos cabelos negros!
— Sua esposa é Japonesa?
— Aham, a japonesa mais linda e fabulosa que já conheci em toda minha vida …
— O senhor é um cara de sorte – falei meio com inveja da felicidade daquele joão-ninguém – Aqui, pode parar aqui que moro no prédio logo em frente!

Paguei o taxista, e me entregando o troco ele me olhou com um jeito profundamente sábio e disse assim:

“Moça, por que estás tão infeliz? Por que não olha ao seu redor e perceba e dê valor a tudo que Deus te proporciona a cada dia que passa? Por que não pára de procurar tua felicidade e deixa ela vir ao teu encontro? Dê uma chance a si mesma! Abra seus olhos e comece a conhecer a ti antes de querer conhecer alguém… Olhe para eles – ele apontou mais uma vez para o porta retratos que rodopiava com o vento que entrava pela janela – eles já se foram, não faz muito tempo Deus levou eles de mim, em um acidente de trânsito, mas eles trouxeram tanta alegria para a minha vida enquanto estavam aqui que ainda permanecem vivos em mim, em meu sorriso, em minha memória, em meu coração e me fazem ter forças para seguir em frente e continuar …

O homem tinha lágrimas nos olhos e olhava para aquelas fotos como se fossem um santuário, algo sagrado, e o eram para ele … me despedi meio sem jeito pegando o troco da mão dele e entrei no prédio pensando o quanto era pequena a minha solidão perto daquela, e o quanto eu ainda tinha de aprender sobre a vida … muito ainda…

Cristiane Martins

Comente!

Deixe uma resposta

Últimos posts

Siga-nos!

Não tenha vergonha, entre em contato! Nós amamos conhecer pessoas interessantes e fazer novos amigos!

Últimos Posts