Acordou num sobressalto: Meus Deus, dormi na sessão! Pensou consigo, bem baixinho, mas bem baixinho mesmo. Certa vez teve a impressão de que ela poderia ler seus pensamentos e era bom não vacilar. Mas havia vacilado e que tremenda mancada. Também pudera, trabalhara demais ao longo de toda aquela semana e a festa de comemoração do lançamento do novo produto varou a madrugada.
O pavor começa a tomar conta do seu ser interior e se perguntava: Por quanto tempo teria eu dormido? Será que a doutora percebeu? O que faço agora? Com o coração pulando enquanto seus braços e pernas faziam um enorme esforço para despertar, matutava a melhor resposta à indagação que estava por vir. Diria: Isso nunca aconteceu antes … Mas recuou. Pareceria meio romântico e ela não lhe pouparia de uma resposta bem psicanalítica. Aliás, por alguns longos minutos parecia que qualquer que fosse sua fala, seria metralhado com alguma de suas interpretações. Pior que ela sempre acertava. Já imaginava ela falando da sua dificuldade em priorizar o tratamento, que eu não deveria ter se excedido no trabalho, na festa, em ambos.
Ficarei quieto esperando. Mas seus botões o fizeram repensar. Poderia ser pior, ela ia dizer que ele era tímido, que tentava esconder o que lhe assustava. que não estava muito disposto a lhe contar seus segredos, que tinha medo de compartilhar, etc. Já sei, vou falar a verdade. Ela sempre lhe disse que a verdade é o melhor caminho e isso lhe pareceu de fato a melhor opção. Encheu o peito de ar, tomou coragem, ajeitou-se novamente no confortável e acolchoado divã. É agora, vou …
Um barulho interrompe seu devaneio. Do outro lado do divã, a queda de um livro acordou igualmente de sobressalto a terapeuta. Aliás, a sessão já deveria ter terminado há meia hora. Novo silêncio. Ficaria difícil saber em que criatura daquela sala a angústia teria sido maior. Ela tomou a iniciativa. Colocou a mão no ombro dele e disse:
_ Nos vemos na próxima sessão. Era a frase que usava costumeiramente ao final de cada consulta, embora desta vez com uma voz típica dos melhores taquarais da região. Mas nada que ele tivesse percebido. Não estava em condições de prestar atenção em algo além do que se passava dentro dele.
Levantaram-se e foram em direção à porta. Quase que ele cai. O pé direito ainda não firmava, o corpo todo não firmava. Ela se perguntava o que teria acontecido e imaginava ter perdido toda a história de um pé machucado ou algum acidente enquanto dormia (ele sempre estava metido em confusão). Ele não lhe dirigia o olhar, envergonhado que estava. O aperto de mão selou de vez o pacto. Deram as costas e a porta fechou. Só não ouviram o suspiro de alívio um do outro porque soaram no mesmo instante. E não se falou mais nisso.
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