Na ultima semana Gabo provou que não está nem um pouco interessado em falar de literatura ou de assuntos que interessem aos leitores. Gabo quer continuar esse duelo florido até sabe Deus quando, e isso já me encheu um pouquinho o saco, principalmente depois da historia do carrapato e do passarinho, aquela foi a gota d'água.
Na minha última coluna, no fim daquela espinha semanal havia um conto, e Gabo, esperto que só, sequer tocou naquelas palavras, minha tentativa de introduzir literatura na coluna foi um fracasso, e esse antigo formato já deixou de ser engraçadinho. Gabo deixou o conto passar feito um trem que carrega os chapéus da moçada.
Bom, vou tentar novamente puxar uma língua de Gabo e fazer com ele fale, desta vez de poesia, que parece ser o seu forte. Acalme-se Gabito, não me venha com chorumelas, leia a porra do poema e escreva o que quiser na semana que vem, mas escreva sobre o poema, afinal foi por você ter escrito sobre um poema que estamos aqui.
Elogio da Sombra
Jorge Luis Borges
A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.
Se ficar complicado, me liga.
Beijos do Papa cu rasteiro
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