Simplicíssimo

Que coisa?

As coisas estão deixando de existir. É sólido, gasoso, líquido e certo o extermínio da matéria – pelo menos com a serventia ou os usos vários que costumava ter.

Até há pouco, comprava-se qualquer coisa com uma coisa chamada dinheiro. Agora compra-se uma série de não-coisas (quase tudo é digital ou impalpável) e paga-se com um negócio que não é mais coisa: transferência eletrônica, pix ou que outro nome inventem de dar para a coisa. Esta moeda esquisita que a bem dizer inexiste, pois passa de um para outro sem que ninguém a veja, a toque, sinta seu peso ou a guarde debaixo do colchão.

“Coisa” talvez seja o vocábulo mais flexível da língua, é tudo aquilo que nos falta o termo quando queremos nomear alguma coisa. O equivalente ao “stuff” inglês. What is this stuff? O que que é esta coisa? Um verdadeiro coringa do vernáculo. E se alguém não fala coisa com coisa, tudo bem: este alguém não estará sozinho. Pelo contrário, estará em companhia ilustre. Esta coisa que está aí na presidência e aquela outra coisa, que se achava presidenta, também não falavam nem falam coisa que se aproveite.

A coisa, ou a falta dela, não para por aí. Não é preciso mais uma outra parte interessada para que alguém faça sexo, por exemplo. Não se requer mais coisa nenhuma. Não falo do sexo solitário, coisa que sempre existiu, e sim dos corpos-pixels a promoverem surubas, coisa que é de agorinha. Que coisa, não?

E quer saber de uma coisa? Se o próprio Deus, que fez todas as coisas, não tem forma de coisa alguma, que coisa há de resistir? Resta seguir em frente e amá-Lo. Sobre todas as coisas.

Esta é uma obra de ficção.

© Direitos Reservados

Marcelo Sguassabia

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