Mas que criança alegre ali vinha,
Arrastada pela mão da sua presumível mãe,
Com o cabelo amarelo em desalinho,
A tagarelar e a bisbilhotar
Os artigos expostos nas prateleiras.
Eu observava a cena,
Enquanto esperava ser chamado
Para levantar uma encomenda
Que o carteiro não me trouxe a casa –
Preferiu deixar o aviso
Na minha caixa de correio.
A mãe, muito magra, deambulava
Com uma caixa de sapatos verde,
Sem tampa, estendia-a às pessoas
Para que nela depositassem,
Por caridade, uma esmola.
Muito jovem, diria mesmo, jovem demais.
Para já ter uma filha de dois ou três anos?
Até podia ser a irmã mais velha de uma família cigana
Que faz da mendicidade profissão.
Não havia sinal de sofrimento na cara da pedinte,
Saiu cedo para trabalhar (acho)
E à tarde, quando regressar,
Alguém irá pedir-lhe contas
“E se não for?”, pensei.
Talvez seja mesmo mãe da criança
E esteja sozinha neste mundo,
Que insensível sou ao sofrimento alheio.
Que merda!
Aproximou-se de mim por trás
E estendeu-me a caixa.
Olhei de lado para dentro dela.
Vazia, completamente vazia, a caixa!
Depois de ter passado por dez ou mais pessoas!
Mundo vadio, que mundo bestial!
Porque é que um ser humano,
Que tem uma criança tão alegre e saudável,
Não há-de dispor de meios
Para assegurar a sua existência
E a do filho sem precisar pedir?
Nem percebo porque é que esta situação
Tão corriqueira entre nós,
Me causa tamanha dor!
– Eu próprio já recusei tanta esmola…,
Não, uma esmola destas acho que não.
Que posso fazer?
Sei que a minha esmola não é solução.
Se lhe der a esmola,
Apenas fico de consciência aliviada,
Ela, ficará na mesma…
Hesitei. Numa fracção de segundo, ainda pensei:
“A vida tem uma duração finita, são dias, são anos,
São décadas e pouco mais; se eu lhe der uma esmola,
Talvez ela e a criança cheguem ao fim do dia sem fome;
(Ao fim e ao cabo nós todos
Só queremos chegar ao fim dos dias sem fome.)
Estreei a caixa vazia das moedas com uma moeda,
E ela lá continuou a sua ronda sem espanto.
Desta vez, já outros seguiram o meu exemplo,
E puseram mais moedas na caixa sem vazio.
Saíram as duas (mãe e filha?),
E fiquei a espreitá-las
Através da fachada envidraçada dos correios.
Atravessaram a rua para o outro lado,
E vi-as entrar no café de defronte,
Todas contentes. Afinal tinham mesmo fome.
E veio-me à mente o sempiterno verso
Que enforma a minha própria mente:
“Mas as crianças, Deus meu…”
Só então percebi plenamente
Porque tive tanta pena daquela gente.
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