Simplicíssimo

Me chamam de grosso

Me chamam de grosso, eu não tiro a razão…

Assim escreveu e cantou o maior trovador gaúcho de todos os tempos. Aclamando a alma do gaúcho da campanha, de vida dura, da bruta lida campeira.

Para quem não o conheceu, perdeu a chance de conhecer pessoa de caráter único na música. Não conheceu o significado do que chamamos na música de "comercial". Escreveu apenas o que sentia ou aquilo que via com as palavras que tinha. Limitado na métrica, arranjou as rimas; mas, mesmo assim, deixou uma obra vastíssima para o vocabulário gaúcho e descreveu, como ninguém, a relação do gaúcho com o meio que o cerca.

Idealizou o gaúcho como o conhecia: bruto, sincero, trabalhador. Não procurou esconder nas entrelinhas o semi-analfabetismo campeiro. Mostrou, por outro lado, que este era mais um desafio:

"… Eu reconheço a minha grossura
Mas sei tratar a qualquer cidadão
Até representa que eu tenho cultura."
Gildo de Freitas

A educação rígida a que o guri é submetido, o ensina desde cedo os requisitos básicos da convivência social campeira: dignidade, sinceridade, honra e o respeito aos mais velhos. Fundamentos tão discutidos e até rebatidos nos dias de hoje, no mundo urbano em que vivemos.

A simplicidade do pensamento, a concentração no que se está fazendo, são hoje qualidades que diferenciam o indivíduo no meio competitivo. No meio rural são indispensáveis. Se quiseres ter o respeito pelo teu trabalho, por aquilo que acreditas, tens que te fazer entender. Sempre terminar o trabalho ou atividade começando uma nova, como se estivesse sempre começando. O que impera é o mostrar-se sem aparecer. O que vale é a atitude de realização contínua, nunca a bajulação. Por isso, o gaúcho campeiro é tão forte e sincero, duro talvez, naquilo que lhe apetece, que faz-se necessário para sua vivência no campo.

A vida campeira torna-se um portal, então. Mostra-nos, com clareza, as forças que movem as relações humanas. Ressuscitar a cultura do homem do campo é resgatar os bons modos do início do século, onde os homens preparavam-se para a guerra, como única forma de paz. Fortaleciam suas relações de vizinhança com o intuito de amizade e respeito mútuos. Estavam sempre prontos a ajudar o amigo, a proteger sua família, a obter o sustento dos seus com os recursos que dispunha. Eram motivações do homem campeiro para as relações que o cercavam.

Hoje, o respeito e aceitação ao indivíduo são motivos superficiais para a guerra urbana, onde a socialização passa pelo visual, pelo cheiro, pelo tato… Dessa forma, os sentidos superficiais formam a única forma de avaliação social. Sociedade esta que prega a total aniquilação do indivíduo como ente único e, por isso, precisa abdicar de sua individualidade e ceder aos preceitos do comum; deixando de sentir, de agir por instintos, de ter uma opinião somente sua.

Pregar a banalização dos sentimentos, como algo comum, rasgará a cartilha do gaúcho do campo. Resgatar um pouco do passado, adaptá-lo à realidade, torná-lo algo importante nas relações humanas não é um apelo ao saudosismo. Será, pelo contrário, uma forma de respeitar ao próximo como queres ser respeitado. Aceitar que cada um tem uma história única, com sentimentos e acontecimentos únicos. Será o respeito, enfim, ao individual, às diferenças humanas, às opiniões que constroem os preceitos da vida em grupo, à sociedade.

Mauro Rodrigues

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