Simplicíssimo

Le Pastie de La Burgeoisie

É um tolo – ou no mínimo um ignorante – quem pensa ser algo à parte da burguesia. “La burgeoisie”, bem entendido, tem duas facetas. Pode ser compreendida como:

1) A classe mais abastada, de comerciantes, bancários, governantes, empresários, etc, – todos aqueles que não operam, mas controlam. Controlam o quê? Não só a economia mas todo o aparato capaz de estabelecer as regras para a outra classe – os operários.

Esta definição poderia supor que os operários não são burgueses. Mentira! Pois:

2) A burguesia é também um estilo de vida, que se manifesta amplamente em cada minuciosidade de nosso comportamento.

A Revolução Francesa, que elevou a burguesia ao poder, não surgiu apenas pelo desejo desta emergente classe de suplantar a nobreza e o clero. Mais que se tornarem os mandatários deste novo mundo, podendo assim colocar em prática tudo aquilo que seria benéfico – e necessário – à sua evolução e permanência, a burguesia precisava se diferenciar da nobreza.

Os nobres não apenas impediam a ascensão da classe burguesa no campo econômico e político, mas traziam com eles um modo especifico de se portar, além de suas próprias regras sociais, sua própria ideologia e filosofia (que era basicamente teológica e alicerçada no conceito de “absolutismo divinamente outorgado”). Descemos um pouco mais: não existia “etiqueta social” entre os nobres: comportamento polido à mesa, banho todos os dias, pudor em excretar (o que fosse), etc. O sexo era livremente praticado – irmãos com irmãos, pais com filhos, tios com sobrinhos, primos-primas, pessoas do mesmo sexo – e “monogamia” era, na melhor das hipóteses, um capricho tacitamente desrespeitado, para não dizer desconhecido. Preceitos válidos, diga-se, tanto para os nobres quanto para o clero. Poderíamos citar uma série de antigos papas que eram verdadeiros mestres da libertinagem, da crueldade e loucura (ou promover o julgamento de um cadáver, retirado da tumba, já pútrido, não é digno de tal pecha?).

Funcionando como o oposto à nobreza, a burguesia rapidamente tratou de implementar seu próprio estilo, seus próprios conceitos e convenções. Com isso, queriam dizer: “olhe como somos diferentes destes imundos que não sabem se portar, destes devassos. Não somos apenas diferentes, somos melhores que eles”. Todo imperativo de mudança nasce da necessidade de se diferenciar – as propostas de dado candidato a presidente precisam ser “melhores” que as daquele que está no poder. Obter a crença e a adesão a estas mudanças são requisitos básicos para a conquista de seus objetivos. Neste aspecto, a burguesia conquistou o sucesso pleno e substancial.

De forma geral, tudo o que somos e praticamos é de origem burguesa. Nossa higiene, a idéia que temos de família, de papel da mulher e do homem, a forma de conduzir nossa vida sentimental e sexual, a “boa postura social”, os “bons costumes”, os “valores morais”, nosso comportamento em diferentes lugares, o trato com o outro, o apego a pequenezas materiais, os conceitos de política, trabalho, “educação” e economia.

Daí “le pastie”, a hipocrisia, nos ser tão inerente. Ser considerada, mais que uma possibilidade, um fato, uma necessidade, um culto. Daí nos ser tão difícil agir de outra maneira. E mesmo os que se julgam capazes de fugir um pouco disto não suportam a sinceridade pura e atuante.

Somos burgueses até os ossos. Em cada passo que damos estamos preocupados em manter as tradições burguesas. Mais que isso: a classe média, seja média-média, aspirante a alta ou quedando a miséria, são as verdadeiras mantenedoras do espírito burguês. Basta observar que quanto mais pobre e simples certa pessoa é, mais tradicional e conservadora ela se manifesta. Mais apegada às raízes. Os ricos tem mais apego às aparências. São os hipócritas par excellence. Mas não se incomodam com isso. Em verdade, estão pouco se importando com os “costumes”. Nós fazemos questão das tradições e rimos – mesmo sem saber – da própria desgraça.

Não sejamos injustos. A burguesia nos deu muita coisa. A Revolução Francesa – revolução burguesa – ofereceu o triunfo da razão sob a religião na política, dando espaço para que a ciência florescesse. Além disso, convenhamos que os métodos burgueses de higiene não são exatamente desprezíveis. Condenar toda a herança burguesa seria apenas uma coisa: hipocrisia. Temos apenas que compreender porquê as coisas são do jeito que são.

A burguesia não fez tudo isto por querer “melhorar” a humanidade. Não elevou a razão em detrimento da religiosidade por considerar a monarquia absolutista “injusta”. Fez apenas porque estas coisas eram necessárias ao seu interesse. Criou um sem número de aparatos sociais – seja no campo material ou das idéias – porque precisava disto para domar o homem. Toda a avaliação que é feita de nós atualmente procura observar o quanto somos domados. O quanto nos “comportamos direito”, o quanto aceitamos as convenções, o quanto estamos integrados aos “bons costumes”. Se suprimos as expectativas – expectativas burguesas – somos boas pessoas. Somos civilizados (e quem achas que criou a “civilidade”?). Estamos aptos a constituir família, a trabalhar corretamente (“vestindo a camisa” da empresa), a sermos convidados para festas, a “viver” entre os demais.

É infrutífero condenar a burguesia, mas sim identificar os vários traços de sua herança. Compreendendo isto, entenderemos boa parte da situação atual. E será que nós, pequenos-burgueses, capachos do establishment, das tradições, conseguiríamos abdicar da hipocrisia? Conseguiríamos buscar o “ser” ao invés do “ter”? Qual dos dois atenderia melhor nossas ambições?

Outras questões para outro artigo. Se nossas rotinas nos derem tempo, claro.

Maurício Angelo

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