Durante essa semana, por várias vezes, retomei em minha mente a reflexão a respeito da importância do ‘conteúdo’ para a vida, colocada em meu último artigo, a partir do questionamento: “brasileiros, qual o nosso conteúdo?”.
Lendo os comentários feitos, aos quais sou sempre muito grato, e acompanhando aquele desastre ocorrido na Cidade do Samba, um dos centros da cultura do Rio de Janeiro, novos questionamentos borbulharam dentro de mim.
Uma questão já notada e apontada nos comentários é sobre qual tipo de conteúdo estamos falando. Pensemos. Conteúdo segundo o dicionário é tudo aquilo que está contido dentro de determinados limites. Aplicando o termo a questão da vida, das pessoas, podemos dizer que conteúdo é tudo aquilo que preenche e dá sentido a vida de uma pessoa.
Claro que não estou me referindo a conteúdos particulares. Exemplificando, não quero dizer que o sentido da vida de uma pessoa é determinado pelo livro que ela lê, mas sim pelo fato de que lê, de que a leitura é um valor para sua vida. De modo que o conjunto desses valores formam o conteúdo da pessoa.
Pois bem, agora entramos num problema, se conteúdo é o que dá sentido a vida de uma pessoa e é formado pelo conjunto de valores da mesma. Como fazer uma escala de valores? Qual o critério para definir que este valor está acima do outro? Para dizer que uma pessoa tem mais conteúdo do que a outra?
Normalmente, não nos colocamos essas questões. Convencionou-se que é assim e pronto. Por exemplo, com base em quê posso afirmar que o bem individual deve se submeter ao bem comunitário? Ou que um juiz tem mais conteúdo que um gari? Alguém pode responder porque é a vontade e o consenso da maioria.
Tudo bem, mas se tomo como critério o que a maioria quer, retiro dos demais o direito de terem respeitadas suas vontades e, além disso, se a maioria não quiser pagar impostos ou simplesmente resolver que não quer respeitar as leis, não estaria a maioria também certa? Logo esse critério deve ser descartado, pois seria igualmente injusto impor a minoria a vontade da maioria sem levar em conta suas opiniões.
Não estou defendendo uma revolução quanto a ordem dos valores, apenas questiono qual a base deles? Eis que surge uma luz: os valores uma vez que compõe a vida devem apoiar-se na própria vida humana.
De modo que os questionamentos se desdobram mais uma vez: o que significa ser um ser humano? Com base na resposta a essa questão, ficará mais fácil definir quais valores são mais importantes para que o ser humano seja mais integro, seja mais ele mesmo, autêntico e enfim livre.
Numa definição grosseira podemos dizer que ser um ser humano é ser diferente das demais criaturas, e que um dos principais pontos desta distinção é quanto a racionalidade.
Então a razão é o que dá sentido a vida humana, sendo a base do escalonamento dos valores?
Esse foi o erro da modernidade que acreditou que apenas a razão dizia a respeito do ser do humano. A razão é um dos constituintes essenciais do ser humano, mas não o único. Não somos também emoção? Claro, temos sentimentos e eles também nos diferenciam dos demais seres, pois eles interferem em nossas ações e nos processos da razão.
De modo que para responder sobre o que significa ser um ser humano, não se deve partir do que o ser humano é, mas sim do porque ele é.
Eis a questão: qual o sentido de ser? Espero que fique claro a abrangência da questão, não se está perguntando individualmente a cada pessoa qual o seu sentido de ser, mas qual o sentido de ser do ser humano? Estamos falando que afeta e se dirige a todos. É uma questão ontológica e não apenas ética ou moral.
E esse meu raciocínio não tem muito originalidade, de um modo parecido, essas questões foram levantadas por Martin Heidegger no livro Ser e Tempo de 1927. Contudo, a questão continua pertinente e incômoda.
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