Simplicíssimo

Índios Empulhadores

Quando se buscam informações na área das ciências humanas há muitos perigos, sobretudo quando os conhecimentos em determinado assunto são escassos. Um dos riscos mais freqüentes é aceitar como verdade tudo o que é dito sem fazer uma análise do informante e de suas circunstâncias. Não será novidade, que herdeiros indigentes de povos derrotados busquem íntima satisfação ao informar errado sobre coisas de seu povo. Isso acontece com maior freqüência se o coletor de informações assumir uma superioridade odiosa e encarnar a figura de apressado e chato perguntador. Portugueses e espanhóis buscaram Eldorados em delírios de imaginação estimulados pela aparente inocência das informações indígenas. A ambição de encontrar minas de metais preciosos entorpecia o raciocínio dos conquistadores, da mesma forma como os pesquisadores culturais podem ser confundidos com afirmações enganosas. Em repetidas ocasiões, Antônio Augusto Fagundes tem flagrado vícios de informação em assuntos como a antropofagia, em que histórias fantásticas são inventadas no interesse de produzir espanto ou obter vantagens. O uso de palavras indígenas para designar acidentes geográficos certamente serviu para muitas brincadeiras de gentios com cara de sérios e que usavam palavras de significado espúreo quando, por exemplo, algum branco orgulhoso perguntava qual o nome nativo do rio que pensava ter descoberto. Os casos devem ser muitos se considerarmos a quantidade de palavras indígenas usadas para denominar acidentes geográficos e tudo o mais que mereça ter nome pelos rincões das Américas. Infelizmente, entre nós como na América do Norte, esses nomes representam uma homenagem póstuma, ou quase, aos antigos donos, mortos ou mal-tratados, de terras conquistadas a ferro e fogo. Visitando o Uruguai em viagem de cunho cultural, conheci uma bela guia castelhana que relatou experiência comprovadora do que estamos afirmando. Coube-lhe guiar uma excursão de pequenos estudantes paraguaios pelo interior do país vizinho e sabemos que os paraguaios são os únicos sul-americanos a falar Guarani em nossos dias, pois a língua continua sendo ensinada e é oficial ao lado do espanhol. Por isso, aqueles pequenos paraguaios serviram de juízes involuntários da empulhação patrocinada há séculos por índios que se aproveitaram da ignorância dos brancos a respeito de sua bela língua. Foi de muito riso contido e cochichos a reação dos pequenos paraguaios quando ela falou que o Departamiento que atravessavam chamava-se Tacuarembó. Vejam que entre nós e bem longe do homônimo uruguaio, também temos um rio ou arroio chamado Taquarembó. E não se trata de determinismo geográfico, nem de encantamento pela eufonia da palavra indígena. Após alguma insistência, a meninada explicou que a palavra serve para identificar o órgão sexual masculino. Como na história famosa em que os adultos elogiavam as roupas do rei desnudo para colherem vantagens, foi preciso o surgimento de um menino para bradar a verdade escondida por todos: o rei estava nu. Conveniências e significados polêmicos caíram por terra para a nossa guia depois da aula recebida dos pequenos estudantes paraguaios. Claro que a maioria das palavras indígenas foi e é de bom emprego, mormente quando provêm do convívio demorado com os jesuítas nas Missões, mas, por via das dúvidas, eu não gostaria de ter a minha ignorância lingüística explorada como ocorre em tantos programas humorísticos de televisão, filmes ou nas rodas de fogo dos nossos galpões. Já observaram, o quanto são bons alguns gaúchos de feições indiáticas na arte da empulhação? Para evitar problemas, prefiro deixar de lado as sugestões para emprego da língua guarani e usar o bom português para desejar a todos a permanência do espírito de Natal e um Ano Novo cheio de venturas.

Blau Souza é médico e escritor.

Blau Souza

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