Ao Poeta recifense Manuel Bandeira que, desde 1947, com o poema O BICHO inaugurou a poesia-denúncia e expôs feridas sociais nas quais a maior vítima é o mesmo Animal que perambula nossos pátios, calçadas, pontes e ruas até os dias de hoje… (O BICHO – Estrela da Vida Inteira, papel bíblia, Ed. Nova Aguilar S.A.)
Vi um homem, vi um bicho,
um vulto matando a fome
em plena lata de lixo.
Reluzia à luz da lua bem cheia
– brilhando de sebo e suor semi-humano –
alheio a tudo e aos faróis cintilantes
sorvia, ali mesmo, aos punhados,
restos imundos como última ceia.
Não havia cerimônia ou pompa
nem relutância qualquer em comer
tudo o que o emporcalhado latão
tivesse a lhe oferecer.
Em meio a essa não-vida nefasta
de um não-ser invisível, outros
semelhantes a ele, ajuntavam-se
para recolher os sobejos
desse impossível repasto
de bichos, ao anoitecer.
Seres invisíveis à noite
mas no clarão do sol, à luz do dia,
perambulando ruas, pontes, calçadas
e esquinas, em miseráveis romarias?
Quem os visse ou pranteasse não havia.
Sozinha, sob a luz denunciante da lua
cheia eu os vi e os pranteei.
Chorei.
Pura e simplesmente.
Porque os vi homens
e os vi bichos: vultos
ferozes matando a fome
em plena lata de lixo!
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